Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer.
Fernando Pessoa
;Aciência é grosseira, a vida é sutil, e é para corrigir essa distância que a literatura nos importa;. A frase de Roland Barthes, lembrada pela poeta brasiliense Julianna Motter, mostra a importância da resistência poética no cotidiano atribulado das sociedades contemporâneas. A diversidade de gêneros, estilos e espaços é grande na cidade, e os poetas brasilienses compartilham seus versos em livros, muros, blogs, ruas, músicas e redes sociais. Entre diferentes estímulos e ambições, uma ideia fica em comum: a vontade de compartilhar a criação e aproximar a poesia ao maior número possível de leitores, mostrando que ela é acessível a todos.
É a partir desse princípio, de diálogo com o outro, que Julianna Motter cria seus versos. Para a brasiliense, a poesia está em tudo que a cerca e a atravessa, vivendo nas pequenas coisas, sem preocupação com a grandiosidade. A jovem, que trabalha com intervenção urbana, acredita que no cotidiano das pessoas é possível encontrar amor no meio do caminho. ;A poesia, para mim, não tem como base uma linguagem refinada, uma erudição exacerbada e até elitista. Ela está na forma como a luz se esparrama pelas coisas quando amanhece, no engarrafamento, nas pessoas desconhecidas com as quais trocamos um bom dia;.
Para a jovem poeta, a escrita e a leitura criam o potencial de mudar caminhos, mostrar que não estamos sozinhos, criando novos laços e ligações. Julianna destaca que a poesia ganha sentido quando alcança quem precisa se lembrar dela e quando é democrática, acessível e surpreendente. ;Uso a internet para ter um alcance maior e para interagir com um número maior de pessoas, mas gosto mesmo é da rua. Da poesia no concreto, da poesia que toca a carne, que parece se materializar para além das palavras em um papel;.
Também de encontro à poesia do cotidiano, Rego Júnior acredita que sua função é o diálogo com o leitor, basta que o poeta escolha as palavras certas para que o imaginário do outro seja despertado. ;A poética está no dia a dia, cada um lança a ela o olhar que lhe convém;, afirma.
A jornalista Amneres Santiago lembra que despertou para a escrita durante a adolescência, como resultado de seu estranhamento de estar no mundo e o deslumbramento das novas descobertas. Para ela, a poesia se firma como uma forma de fazer permanecer a capacidade de se encantar com o outro, com a natureza, além de dar voz à capacidade de se indignar. ;É como uma ponte para fugir do banal e enaltecer aquilo que traga esperança;.
Enquanto isso, Noélia Ribeiro, um dos nomes mais tradicionais e conhecidos na poética da cidade, conta que não passa um dia sem ler um poema de alguém ou rabiscar algo novo. A poesia estaria, dessa maneira, em todo lugar, mas a pessoa teria que ter olhos de poeta para atribuir às imagens esse olhar diferente de se ver o mundo e passar isso aos leitores. ;Para mim, é minha libertação deste mundo tolo em que vivemos, minha realização pessoal, meu prazer, quase um vício;. A autora, de expressão confessional e coloquial, acredita que o verso se faz a partir da busca, da tentativa e erro.
Comunicar e atravessar sentidos
Para o professor Marcos Fabrício Lopes, professor de literatura brasileira na Faculdade JK poetizar é comunicar com arte. O exercício da poesia o teria feito encontrar o mergulho existencial necessário para enfrentar a realidade. ;Permito-me a poetizar com base na autenticidade e no fingimento;. Marcos, assim como grande parte dos autores contemporâneos, publica suas criações no meio digital e analógico, com versos mais imediatos para as mídias digitais e uma literatura mais atemporal nos livros. A importância poética estaria na descoberta de que somos o que a linguagem nos permite ser. ;A poesia é libertária por excelência, pois incentiva a gente a desafiar a inércia da vida como ela é;.
O diplomata Daniel Guilarducci é adepto da escrita literária e pessoal. Ao lançar seu livro, o autor buscou contar uma história de amadurecimento e resgatar formas de poesia pouco reproduzidas atualmente, para mostrar que nem tudo que é antigo é necessariamente ruim e nem tudo que é novo, é necessariamente bom. A escrita seria uma mistura de registro histórico e testamento. ;Embora escrever seja recriar a realidade a cada momento, perdi bem cedo a ilusão de que a poesia pudesse, por si, alterar o mundo em larga escala. No fim, a escrita virou uma boa amiga, que me faz companhia;, afirma Guilarducci.
Cristiane Sobral lembra que, na poesia, as palavras se desvinculam de seus sentidos habituais, extrapolando a realidade. A criação poética existiria, desta maneira, para convocar o acaso que muda a ordem sem fazer desordem e propor fruição e experiências estéticas. ;Temos muitas histórias para contar, cabeças para empoderar, corações para convocar, muitos interditos a romper. A oralidade é fundamental na poesia e elemento constituinte da nossa ancestralidade, poesia é oralidade, tradição e memória;. Desta maneira, os versos se colocam como meio de mexer com as estruturas internas, aguçar a sensibilidade e convocar para a mudança.
Celebração
O Dia Mundial da Poesia é celebrado hoje. Foi criado na 30; Conferência Geral da Unesco, em 16 de Novembro de 1999. O propósito deste dia é promover a leitura, escrita, publicação e ensino da poesia através do mundo.
Presença
Melhores os dias
quando esquecemos
(as horas são horas
só horas) (;)
Alberto Bresciani
Horizonte de cinzas ;(...)/Brasília é funcional, papel passado, mais adicional. Nasceu velha para ser jovem e não sabe Se é bela ou feia. Brasília morreu quase torta. Foi enterrada por homens de terno cinza;
Carla Andrade
Naquela noite
suzana estava
mais W3
do que nunca
toda eixosa
cheia de L2
suzana,
vai ser superquadra
assim lá na minha cama.
Nicolas Behr
Não quero mais que o tempo corra
nem que o sábado aconteça.
Quero desfiar cada momento,
desafiando a vida de domingo a domingo;
assistir à passagem das horas
sem pressa e alijar-me de todo medo,
para enfim desfrutar o sentimento
de que, com o passar dos dias,
vivi uma eternidade,
envelheci quase nada
e morri apenas por um segundo
Noélia Ribeiro
Depois de um turbilhão
o amor é esse hiato
entre a falta de tempo
e a falta de tato
Julianna Motter
Naquele dia meu pixaim elétrico gritava alto
Provocava sem alisar ninguém
Meu cabelo estava cheio, de si
Cristiane Sobral
A estrada é longa, o asfalto é quente...
É bom usar bons sapatos.
Eu lembro quando aprendi a desenhar estrelas.
Triângulo por cima de triângulo.
Eu lembro que foi em meio à escuridão
que eu aprendi a brilhar sozinha.
Ádyla Maciel