O espetáculo que busca entender a liberdade em seus mais diversos contextos foi criado em 2013 e inspirado no projeto Tear (Troca de experiências artísticas e reinserção). Na época, o grupo dava aulas de teatro do oprimido em uma Unidade de Internação localizada em Planaltina (UIP). A opressão e a necessidade de se falar sobre o tema tornaram-se desejo latente. A partir de entrevistas feitas com menores em conflito com a lei, artistas, religiosos e depoimentos pessoais a Estupenda Trupe construiu o texto 60 frames por segundo, tendo como tema principal o lugar onde a liberdade nos atravessa.
O ator Carlos Valença lembra que dar aula para os adolescentes internos mexeu muito com todos os integrantes da Estupenda. O grupo optou por não eleger uma liberdade específica e cada ator trouxe sua visão sobre o tema. Alguns relatos colhidos em depoimentos serviram como inspiração para o processo criativo, enquanto outros ajudaram a construir diretamente a encenação. ;A Estupenda Trupe trabalha pela democratização da arte. Todo ser humano é capaz de discutir, apreciar e produzir arte. Acreditamos nela como um mecanismo de transformação social;, destaca o ator.
Luciana Amaral também é integrante da trupe e do elenco; ela destaca que o conceito de liberdade é muito complexo e outros temas se entrelaçaram ao espetáculo durante o processo. ;Hoje, entendo que falar sobre liberdade é também falar sobre solidão, pois muitas vezes, para ser livre, temos que enfrentar a opinião do outro e podemos, sim, acabar não sendo aceitos;.
O medo da liberdade e o respeito à liberdade do outro aparecem com destaque durante a encenação. Para os atores, abordar o tema e levá-lo ao palco cria um espaço possível para compartilhar as próprias experiências, muitas vezes reprimidas durante o cotidiano.
O projeto Tear teria proporcionado um amadurecimento profissional e pessoal aos artistas, que puderam encontrar e conviver com a realidade dura e desconhecida dos regimes de detenção. Luciana conta que, muitas vezes, o grupo não sabia que crimes tinham sido cometidos pelos adolescentes e a ideia era mostrar que aqueles meninos poderiam ser vistos como qualquer outro adolescente, sem qualquer julgamento formado anteriormente.
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Prisão
A personagem de Luciana foi construída com inspiração no olhar que ela trouxe da experiência com os adolescentes. ;Um olhar que é distante e quando se torna presente parece o de um bicho enjaulado, procurando uma saída, ou se conformando com a prisão;. A atriz lembra que, apesar da maturidade, cada um daqueles meninos carregaria uma ingenuidade ferida, um silêncio de quem já viu a morte muitas vezes. ;É um silêncio e uma perturbação que me atravessaram e até hoje me atravessam;.
O diretor do espetáculo, Tiago Nery, lembra que entre as ideias principais estava a vontade de falar de liberdade sem se esquecer da unidade de internação. Utilizando a amplitude do tema de como a liberdade atravessa o ser humano, diferentes aspectos puderam ser descobertos: a liberdade no amor e nas relações amorosas, a liberdade sexual e de gênero e até mesmo a solidão. ;Até que ponto o viver solitário é um ato de liberdade ou uma prisão?;, indaga o diretor.
Em cena, estão também Alana Ferrigno, Roberta Rangel e Kadu Viva, que discutem as possibilidades de saltos entre um cativeiro e o outro, o momento em que se vislumbra a liberdade e suas sequelas. Na busca pela expansão de temas de importância social, o grupo trabalhou em sua última montagem, Nó na garganta, com o bullying e outras questões veladas diariamente, como a violência física e moral.
A trupe leva a força da realidade de 60 frames por segundo aos palcos da Funarte, neste fim de semana. As apresentações anteriores foram feiras para alunos de ensino médio, que puderam discutir, após o espetáculo, temas como liberdade, respeito, medo e morte. A ideia do grupo é mostrar a realidade escondida aos olhos acostumados com o cotidiano e possibilitar que questões importantes e escondidas sejam colocadas em cena, dentro de fora dos palcos.
60 frames por segundo
Com a Estupenda Trupe, hoje e amanhã, no Teatro Plínio Marcos (Funarte ; Eixo Monumental); sábado às 20h e domingo às 19h. Os ingressos custam R$ 10 (meia-entrada) e R$ 20 (inteira) e a classificação indicativa é 14 anos.