Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Boas perspectivas para a representatividade trans na produção literária

Escritores e editoras especializadas se empenham em incrementar dados e retratos de gêneros

Pode-se dizer que personagens e autores transgêneros permaneceram invisíveis ou ausentes da produção literária nacional ao longo dos anos. A dificuldade de publicação, a falta de aceitação editorial e por parte do público leitor são algumas das questões que ajudaram a tornar essas histórias ausentes entre a literatura em suas mais diversas vertentes. Para reverter esse quadro e preencher a lacuna histórica, editoras especializadas como a Literatrans, além de autores transgêneros e cisgêneros, trabalham para aumentar a representatividade entre os livros.

O empresário Bruno Gabriel Caldeira teve a ideia de criar uma editora especializada quando finalizou um livro para o seu trabalho de conclusão de curso na faculdade. A vontade de publicar após a formatura não parecia viável, já que, para ele, nenhuma editora aceitaria a obra, com o nome Nós, trans. ;Brinquei então que um dia criaria a minha própria editora para vender o livro e, meses depois, a ideia começou a sair do papel. Em novembro de 2016 nasceu a Literatrans, com o livro Divino Leviatã, de Sharon Cardoso;, conta o editor. A segunda publicação foi seu livro escrito na faculdade.

Bruno lembra que, atualmente, mais personagens transgêneros começam a aparecer em filmes, livros e séries. Para o editor, quanto mais visibilidade for alcançada, mais fácil ficará para a população entender e respeitar as questões relacionadas ao gênero. ;Mas esses personagens não são sempre escritos ou representados por pessoas trans e acredito que, desta maneira, a carga emocional e a veracidade em suas atitudes e personalidades seria maior. Ainda assim, essa visibilidade ajuda a trazer mais atenção para a nossa comunidade, nossas necessidades e problemas;, afirma.

Enquanto isso, o professor, dramaturgo e escritor cisgênero Roberto Muniz Dias, publicou recentemente o livro Uma questão de jeito, resultado de um projeto desenvolvido em escolas brasileiras. O trabalho teve como foco o debate sobre literatura e diversidade sexual e consistia em aulas e oficinas de escrita e produção de textos com os temas bullying, violência de gênero, questão de gênero. ;A ideia de protagonizar uma personagem trans tem a ver com a sensibilização para o tema e para visibilizar estas pessoas que são, por muitas vezes, ignoradas dentro do guarda-chuva das letras LGBT;, lembra o escritor.

Além disso, o objetivo é criar um espaço para que os leitores em geral tenham acesso a uma ficção que permeia a temática, discutindo a existência de pessoas transgênero e cisgênero, expandindo o protagonismo ficcional e real, além da representatividade de maneira positiva. ;Eu tenho ouvido muito sobre a incapacidade de falar sobre o assunto por conta do meu lugar de fala. Mas eu acho que, na ficção, o que podemos fazer é trabalhar estes preconceitos de uma forma positiva, trazendo a discussão para a sociedade;. Roberto destaca que não invade o protagonismo da militância trans, o que não impede que ele problematize a questão de forma sensível e coerente.

Uma questão de jeito
De Roberto Dias, Editora: Produção independente
Livro ainda em processo através de plataforma
on-line, Gratuito no site https://www.wattpad.com/354095730-uma-questao-de-jeito-um-pequeno-romance-de


; Livros publicados pela Literatrans


O Divino Leviatã ; A lenda da princesa dilacerada, por Sharon Cardoso

Nós, Trans ; Escrivências de resistências, grupo Transcritas coletivas

Trinta anos de reclusão e as memórias de Porcina D;alessandro

Narrativas de superação

Para Roberto Muniz, os testemunhos e relatos e, até mesmo os de cunho ficcional, têm papel importante na construção de personagens e histórias de superação, igualdade e cidadania, coisas que foram secularmente renegadas a estas pessoas. Em seu livro, a relação entre o professor Luiz e a aluna transgênero Clara é o tema central. ;É uma relação de construção de novas percepções de mundo e acerca deles mesmos. Essas histórias precisam ser relatadas, principalmente as que desconstroem os estereótipos historicamente construídos;, afirma Roberto.

O jornalista e escritor Luiz Fernando Uchôa escreveu um livro, ainda não publicado, onde relata sua trajetória e vivência social enquanto homem transgênero. O livro, chamado Simplesmente Homem, foi produzido em formato de livro-reportagem e o autor acredita que mais produções literárias como esta sejam de grande importância para diminuir o preconceito existente. ;Além disso, a literatura pode auxiliar nessa ampliação do conceito de feminilidade e masculinidade. A a produção de conteúdo quando realizada por protagonistas de um determinado segmento populacional o legitima;, afirma o jornalista.

Para Luiz, essa criação pode ser feita tanto por autores cis quanto trans, desde que ambos tragam narrativas plurais acerca do segmento, englobando travestis, mulheres e homens transgêneros. ;É preciso relatar a diversidade existente no universo trans, seja em relação à expressão de gênero, orientação sexual, características físicas, nível de escolaridade e de renda;, destaca o autor. Ele lembra que é importante ressaltar que as narrativas devem ser vastas e plurais para abarcar os diversos públicos e amplificar as vozes trans.