Os gabinetes do Palácio do Itamaraty e de seus dois anexos guardam alguns dos maiores tesouros artísticos da Esplanada dos Ministérios. É um conjunto de obras principalmente em papel e que está fora do alcance dos olhos do público, ao contrário do precioso acervo exposto nos salões do palácio e amplamente acessível graças ao programa de visitas do local. Idealizado pelo embaixador Wladimir Murtinho, responsável pela ambientação do Itamaraty nos anos seguintes à sua inauguração, esse acervo é formado pelo que havia de melhor na produção brasileira dos anos 1960, 1970 e 1980. São cerca de 350 gravuras que sempre estiveram inventariadas, mas que, este ano, passaram por uma análise capaz de traçar suas origens e como chegaram ao Itamaraty. Uma equipe coordenada pela pesquisadora Grace de Freitas, da Universidade de Brasília, foi encarregada de realizar a ficha das obras e traçar um pouco de sua história e do contexto que as levaram ao ministério.
O resultado foi uma surpresa e permitiu reconstituir, com maior aprofundamento, a história do acervo do ministério das Relações Exteriores. ;Isso é importante porque essas obras, às vezes, fazem parte de um conjunto que foi dispersado. Estava tudo documentado, mas em um memorando enterrado em algum lugar. Saber a origem é importante para saber que Brasil o Itamaraty queria representar por meio de suas obras;, explica Heitor Granafei, secretário-executivo da Comissão RE 50, que prepara exposições e cerimônias para comemorar os 50 anos do Itamaraty, completados hoje (14/3). ;O palácio sempre foi visto em separado, mas temos que falar em ministério como um todo e fazer o levantamento trouxe surpresas.;
Granafei conta que, ao iniciar o levantamento, os pesquisadores descobriram que um dos projetos de Wladimir Murtinho era ambientar cada chefia de departamento com um gravurista. Ao longo dos anos, as gravuras foram sendo redistribuídas pelos gabinetes e a ideia se dispersou. ;Com a pesquisa, você descobre que tem um conjunto, que algumas foram encomendadas para o palácio. Descobrimos, por exemplo, que havia um prêmio aquisição na Bienal de São Paulo e que o ministério comprava obras.;
Gravura abstrata
Entre as preciosidades estão alguns conjuntos significativos. Há, por exemplo, um lote de sete obras encomendadas a Fayga Ostrower, pioneira da gravura abstrata brasileira. Quando Murtinho foi buscar as obras, notou, no ateliê, um conjunto de estudos tão excepcionais quanto o lote destinado ao Itamaraty e o material acabou exposto no Rio de Janeiro. Além dela, o ministério tem obras de praticamente todas as mulheres que movimentaram a cena da gravura brasileira nos anos 1970 e 1980 e foram formadas pelo ateliê de gravura do MAM/RJ. Entre elas estão nomes como Anna Letycia, Edith Behring, Isabel Pons e Anna Bella Geiger, além de Fayga Ostrower.
Há também os melhores exemplares de obras de gravadores, como Marcelo Grassman, Lívio Abramo, Oswaldo Goeldi, Rossini Perez, Roberto Delamonica e Emmanuel Araújo. Boa parte dessas obras foram adquiridas graças ao prêmio junto à Bienal de São Paulo. Uma comissão do próprio Itamaraty selecionava os artistas. ;E o papel é a parte mais sólida desse acervo;, conta Grace de Freitas, que repara uma ausência dos nomes da arte concreta e neoconcreta dos anos 1960. ;Mas o acervo tem os maiores gravadores da segunda metade século 20 no Brasil;, garante. ;E são gravuras excelentes, que não são fáceis de encontrar. O importante de fazer esse levantamento é dar esse olhar sobre as obras de arte, sobre os diversos caminhos que a arte brasileira tomou dos anos 1960 para cá.; Grace explica que o conjunto é tão rico que permite vários recortes da produção nacional. Seria possível fazer uma exposição sobre os geométricos, o feminino na arte, a arte e a política e várias outras.
As gravuras devem integrar uma exposição no segundo semestre, assim como o mobiliário que agora passa pelo mesmo levantamento que as obras de arte. Os móveis assinados por Sérgio Rodrigues são bem conhecidos e divulgados, mas a pesquisa vai permitir identificar que linhas o designer teria criado especialmente para o ministério. A intenção é mostrar como o órgão sempre esteve próximo dos artistas e, de certa forma, incentivou a produção de grandes nomes da arte nacional. O alemão Karl Heinz Bergmiller, por exemplo, criou uma linha de móveis de escritório especialmente para o palácio e seus anexos. Discípulo da escola fundada por Max Bill (Ulm), onde também estudou a artista brasileira Mary Vieira, Bergmiller teria vindo para o Brasil por conta do interesse pelo modernismo. Quando a pesquisa do mobiliário for encerrada, ela também deve resultar em uma exposição. ;Os levantamentos são importantes porque, a partir daí, vamos passar a preservar de forma mais cuidadosa;, garante Granafei.