João Almino não nasceu em Brasília. De Mossoró, no Rio Grande do Norte, o diplomata e escritor, no entanto, construiu uma obra em que a capital federal está quase sempre presente. Como paisagem, personagem ou metáfora do país, o fato é que a cidade sempre foi fundamental na ficção de Almino.
O escritor brasiliense (ele aceita de bom grado a classificação, apesar de dizer que não a reivindica) conquistou uma vitória importante na última semana. João Almino foi eleito na última quarta-feira para ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Ele teve 30 dos 37 votos possíveis na eleição, os outros sete foram brancos ou abstenções.
O escritor vai ocupar a cadeira 22 da Academia, que estava com o médico Ivo Pitanguy, morto em agosto de 2016. Na disputa com o embaixador, estavam Osmann de Oliveira, José Itamar de Abreu Costa, Antonio Spyer de Mourão Matos e Juarez M. Avelar. Além de Almino, na quinta, o historiador Arno Wehling foi eleito imortal, na vaga do poeta Ferreira Gullar.
Em entrevista ao Correio, Almino, autor de Ideias para onde passar o fim do mundo e Enigmas da primavera, comentou a eleição e as motivações que o fizeram se candidatar ao posto na ABL. Almino falou também sobre a relação da sua literatura com a cidade, que, para ele, ;é um Brasil de brasis, que se presta, por essa razão, a uma visão ampla do país em toda a sua diversidade e complexidade;.
Por que resolveu se candidatar à vaga na Academia Brasileira de Letras?
Acredito na importância das instituições, inclusive, no campo da cultura. A Academia preza a diversidade nos seus quadros. Não impõe linhas políticas ou estéticas. É uma Academia sem academicismo. Assumo com prazer uma responsabilidade maior, uma responsabilidade perante a instituição e a sociedade, de dar uma contribuição, modesta que seja, no campo da cultura.
O que representa para o senhor ter sido eleito?
Fico honrado e contente. A Academia me serve de estímulo a continuar meu trabalho, com toda a liberdade.
A Academia ainda tem relevância e faz sentido nos tempos em que vivemos?
É representativa no campo das letras. É uma instituição independente. Não depende de governos nem do Estado. Sobreviveu até mesmo a diferentes regimes políticos e este ano vai completar 120 anos. Continua e continuará fazendo sentido.
Grande parte da sua obra se passa em Brasília,
por que escolheu a cidade para ambientar sua ficção?
As razões são muitas, mas me limito aqui a ressaltar duas. A primeira tem a ver com o aspecto simbólico da cidade, que é forte. Brasília, o mito. Antes de ser uma cidade, Brasília foi uma ideia, e ideia que acompanhou toda a história do Brasil independente. Seja ou não um projeto parcial ou totalmente frustrado, o certo é que esteve associada à aspiração pelo moderno e aos sonhos de futuro do país. Metáfora também das contradições do mundo moderno. A segunda é que, sobretudo nos primeiros anos, foi, acima de tudo, uma cidade de migrantes vindos de todas a partes do Brasil. É um Brasil de brasis, que se presta, por essa razão, a uma visão ampla do país em toda a sua diversidade e complexidade.
Pode-se dizer que, em alguns momentos da sua ficção, Brasília é
quase personagem? Ou a cidade é mais ambiente e paisagem?
Ela é teatro, personagem e metáfora do Brasil e do moderno.
Apesar de não ter nascido em Brasília,
o senhor se considera um escritor brasiliense?
Outros, que aqui nasceram e cresceram, devem fazê-lo com mais direito. Nasci em Mossoró, no Rio Grande do Norte, sou potiguar. Anualmente, passava meses de minha infância no sertão do Ceará e, durante minha adolescência, morei em Fortaleza. Tenho um pé em Curitiba, terra da minha mulher, a artista plástica Bia Wouk. Mas já vivi em Brasília pelo mesmo número de anos em que vivi na minha cidade natal, Mossoró, ou seja, por cerca de 12 anos. Aceito, de muito bom grado, que me considerem escritor brasiliense, mas não reivindico.