Em meio a escassez de espaços culturais na cidade há quem tenha que se ausentar ainda mais do contato com a criação artística. Há um público de pessoas com deficiência que deixa de frequentar espetáculos, palestras e apresentações pela falta ou precariedade de espaços acessíveis a toda a população em lugares que nascem com a ideia de propagar arte e cultura ao mais amplo e diverso público possível. A acessibilidade é tanto um direito por si só quanto um recurso para que pessoas com e sem deficiência usufruam com equiparação de oportunidades de bens e serviços. O direito à acessibilidade garante o direito à vida.
Jornalista e especialista em comunicação acessível, Claudia Werneck lembra que todos usufruem de uma oferta maior ou menor de recursos de acessibilidade, conscientemente ou não. A jornalista estuda a condição humana da deficiência desde 1991 e a pratica na edição de seus livros desde 1993. Idealizadora da ONG Escola de Gente ; Comunicação em Inclusão, Claudia destaca que não se pratica inclusão sem comunicação acessível e inclusiva, lembrando que estes são dois conceitos diferentes.
[SAIBAMAIS]
Werneck se interessou pela deficiência a partir da síndrome de Down, quando escreveu uma reportagem sobre o assunto e percebeu que não abordava a deficiência como tema cotidiano, apenas em dias festivos. ;O mais eficiente é entender que a deficiência faz parte da vida, não é um detalhe da vida. Assim, adolescentes com deficiência podem participar de uma reportagem romântica sobre o primeiro beijo, pais e mães com deficiência têm opinião sobre economia doméstica e mulheres com deficiência podem ser fotografadas e darem seus depoimentos sobre como é, por exemplo, amamentar sem braços;.
A especialista lembra que a acessibilidade é um direito que beneficia toda a população, e não somente a população com deficiência. Mas, como bens culturais acessíveis são raros, o impacto deles na vida cultural de pessoas com deficiência é maior.
Cinema Inclusivo
Pensando na expansão deste acesso, projetos como o Festival de cinema inclusivo, que ocorreu recentemente no Cine Brasília, se empenham em levar informação e debate a respeito das questões ligadas à deficiência e seu direito de acesso cultural. Curadora do projeto e de outras inciativas na área, Bárbara Barbosa, enfatiza que o acesso à cultura é direito de todos e é importante que o público com deficiência tenha esse direito respeitado com acessibilidade e autonomia. É essencial que esses espaços sejam pensados para todas as pessoas e tipos de plateia, respeitando a Lei Brasileira de Inclusão.
Bárbara lembra que a cultura educa, transforma, diverte, traz experiências sociais importantes para o desenvolvimento individual e coletivo, permite que a troca de opiniões e sensações entre as pessoas. ;Quando a pessoa com deficiência pode fazer parte dessa experiência tão corriqueira e autônoma para quem não tem deficiência, ela tem a certeza de que está incluída na sociedade em que vive;, afirma.
A Instrução Normativa n; 128, de 2016, da Agência Nacional do Cinema (Ancine), determina a obrigação das distribuidoras em lançar os títulos com o recurso da audiodescrição. Mas por ser uma decisão nova, muitos deles ainda não são acessíveis.
As pessoas estão cada vez mais abertas às questões ligadas à deficiência, mas ainda existe falta de conhecimento para lidar com o assunto e criar espaços plenamente acessíveis. ;O preconceito está muito mais ligado à ignorância do que à discriminação pura e simples. Por isso, a inclusão é tão importante;, afirma Bárbara. Ela lembra que o festival inclusivo é importante por respeitar o direito de toda a população a se divertir e ter acesso aos meios culturais.
Pessoas com deficiência representam 28,3% da população do Distrito Federal. ;Se considerarmos que essa parcela pode ter sempre um acompanhante, pelo menos, teremos quase 50% da população total que deixa de ir ao cinema, por exemplo, por falta de acessibilidade;, destaca Barbara. A acessibilidade cultural permite que essa experiência seja plena e prazerosa tanto quanto é para alguém que não tenha deficiência.
Joaquim Emanuel, surdo de nascença, é presidente da Associação Brasileira dos Surdos Oralizados (Abrasso) e conta que ficou afastado de espaços culturais por muito tempo, especialmente no que se refere à música, ao teatro e ao cinema nacional. ;No teatro, me faltam as legendas da peça, para os surdos que usam Libras, falta o intérprete; para o cego, a audiodescrição; para o cadeirante, rampas, nivelamento, banheiros acessíveis;, afirma.
Por essas razões, Joaquim e toda a sua família deixaram de ir ao cinema, que perdeu quatro pessoas em seu público. ;Pense isso multiplicado em 25% da população;. Ele ressalta que o direito de ir e vir é fundamental.
Duas perguntas / Claudia Werneck
Qual a importância de tornar mais acessíveis e inclusivos os espaços culturais?
Não há democratização da cultura sem ampla e diversificada oferta de acessibilidade física e na comunicação. E essa oferta de acessibilidade não pode estar localizada, deve permear todas as etapas da produção do bem cultural. Pessoas com deficiência podem estar na plateia, ser atrizes, pensadoras, produtoras, iluminadoras, cenógrafas... A Escola de Gente idealizou em 2011 a campanha Teatro Acessível. Arte, Prazer e Direitos, com o objetivo de garantir mais autonomia e participação de pessoas com deficiência, baixo letramento e mobilidade reduzida, entre outras condições, na vida cultural de suas cidades.
Que questões acha que precisam ser abordadas com mais ênfase? Ainda existe muito preconceito?
Desde cedo nossas famílias e escolas nos ensinam a discriminar, em função de diferenças e desigualdades. A criança cresce sem intimidade com o tema que é o mais humano de todos os temas: a nossa humanidade. Somos um conjunto indivisível de seres humanos e únicos. Nascemos embaralhados e chegamos ao mundo de forma desorganizada. Nunca nasceu alguém idêntico a alguém. Nesse contexto, ;o diferente; ou ;a diferente; não existe.