Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Agitador cultural, Alexandre Innecco fala sobre fomento à cultura no DF

À frente de um espaço cultural, o regente e professor lamenta o abandono do Teatro Nacional, valoriza a Lei do Silêncio e relembra a longa carreira


Embora ele diga que ;99% da cidade; não conhecem o espaço cultural que carrega seu nome, Alexandre Innecco é figura das mais queridas e relevantes no cenário musical da cidade. Por meio do local, ali na 116 Norte, Alexandre abre espaço para coros, aulas, palestras, encontros, apresentações, sempre de mãos dadas com a cultura da cidade e com quem busca promovê-la.

Regente e tenor formado nos Estados Unidos ; onde morou por 15 anos ;, o artista desbravou incansavelmente o mundo das partituras e sinfonias, mas jamais se fechou para as demais artes, mantendo relações estreitas com o teatro, cinema, fotografia e literatura, por exemplo. Mas a música, de fato, ocupa um espaço (emocional e literal) na jornada do maestro: ;O que a música me faz sentir não tem comparação com nada;.

A vasta experiência também o presenteou com um senso crítico peculiar. Sem hesitar e sem perder a simpatia que lhe é comum, Alexandre conversou com o Correio e não mediu palavras para falar sobre Teatro Nacional, a cena cultural da cidade ou ainda sobre a Lei do Silêncio.
>> Entrevista // Alexandre Innecco

Maestro, ator, professor... consegue pensar na melhor palavra que o define profissionalmente?
Faço parte de uma tradição de artistas que se preocupa com a produção como um todo. Wagner chamava de Gesamtkunstwerk (ou ;trabalho completo de arte;), mas na arte popular e folclórica tem muito disso também: Ney Matogrosso ilumina seus próprios shows; Antônio Nóbrega é um curinga de todos os naipes; você está me entrevistando mas se ocupa de fotografia, teatro, Carmela, família, literatura, redes sociais e muito mais.
E essas oportunidades de trabalho nos Estados Unidos?
Morei lá por 15 anos. Fui estudar e fiquei. Arrumei um emprego numa igreja metodista (sempre brinco que Deus é muito bem-humorado porque me deu emprego numa igreja, sem que eu nunca tenha frequentado uma). A partir do emprego fixo, regi muitas companhias independentes e organizei uma série de concertos que me renderam muitos bons contatos em cidades e países diferentes, desde Chicago até Seattle, desde Montenegro até Moçambique. Em música, contatos são tudo.

Foi uma temporada intensa no exterior. Por que decidiu retornar?
A vida é curiosa e nos leva por caminhos que nem sempre planejamos. Eu era muito feliz nos EUA, um país que gosto muito e onde fiz muitos amigos. Mas o trabalho que eu desenvolvia por lá era bem parecido com o que eu faço no Brasil hoje: formação de plateia e educação musical de adultos. Achei que no Brasil eu seria mais útil. Não há como negar, também, que a idade minha e dos entes queridos pesou muito. Foi muito importante, por exemplo, estar no Brasil para acompanhar o longo processo do câncer do meu pai, que nos deixou há dois anos.

Esbarrou com alguma iniciativa lá fora que deveríamos explorar mais por aqui?
Por aqui, nós aprendemos que o governo deve financiar tudo. Lá, não existem orquestras ou teatros pertencentes ao governo, por exemplo. A classe média é cofinanciadora da arte de que gosta. Quem tem dinheiro se orgulha de manter as instituições que curte ; sejam elas orquestras sinfônicas, sejam museus ou clubes de crochê. Aqui, todo mundo acha ;um absurdo a falta de apoio governamental;. Sinto informar que o apoio financeiro governamental no Brasil é infinitamente superior. A grande diferença se dá na esfera da renúncia fiscal. Nos EUA, você escolhe pra quem vai doar livremente e desconta o valor integral do Imposto de Renda, através de um simples formulário. As nossas leis de incentivo fiscal são tão complexas que o cidadão comum não se interessa por elas. E nem passa pela cabeça que, sem ajuda financeira da massa, a arte se torna insustentável, como infelizmente muitos grupos brasileiros estão descobrindo tarde demais.

Como se dá sua relação artística com Brasília?
Cresci numa época em que tudo estava começando. O projeto de uma capital arejada, colorida e utópica foi interrompido por um regime cinza que moldou seus habitantes distantes uns dos outros. Isso foi terreno fértil para o rock da Legião Urbana e para o teatro de Hugo Rodas, por exemplo, que se alimentaram dessa frustração. Outras áreas levaram décadas para se firmarem ; como o maravilhoso Clube do Choro. O artista Alexandre Innecco surge nessa nuvem criativa.

Em uma cidade com espaços fechados, quais os principais desafios em manter um espaço cultural aberto?
Sem dúvida, o maior desafio em Brasília é encontrar o público. Estou aberto há cinco anos e 99% da cidade não sabem que eu existo. Quem vem pela primeira vez frequentemente diz: ;Puxa, procurei algo assim em Brasília por anos! Por que você não faz mais propaganda?;. Faltam canais de comunicação com o público.

De que maneira o governo poderia melhor incentivar a manutenção desses espaços?
Se o governo não tem dinheiro para manter os espaços culturais, devia organizar uma parceria público-privada imediatamente ou apresentar uma alternativa qualquer. Governos existem exatamente para isso. Cada dia do Teatro Nacional fechado é um tiro no coração do futuro cultural brasiliense. Me dá vontade de chorar.

Estamos em uma cidade que frequenta espaços culturais?
Brasília tem uma população sui generis, que reclama que não tem nada para se fazer, mas não procura nada para fazer. O brasiliense médio age como se fosse um grande esforço sair de casa para assistir a qualquer coisa que não for cinema americano, numa sala grande, com muita pipoca e celular ligado o tempo todo no Facebook.

Quais são suas melhores memórias culturais em Brasília?
Foi no Teatro Nacional onde eu conheci o mundo. De Oswaldo Montenegro a Filarmônica de Israel, de Marco Nanini aos Meninos Cantores de Viena, de Ney Matogrosso ao Grupo Corpo. De Piazzolla a Yma Sumac. De Tom Jobim ao Ballet Bolshoi. Não há qualquer dúvida de que só sou artista hoje por causa daquele templo.

A Orquestra do Teatro Nacional cumpre bem o papel?
Não. Mas não é culpa da orquestra. Se não há reverência dos governos com seus espaços físicos, o que se dirá dos seus funcionários. A OSTNCS (Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro) é hoje um grupo de músicos espetaculares numa situação quixotesca. São heróis de batalha numa guerra perdida.

Como reage à Lei do Silêncio?
Minha posição não é popular. Eu acho que quem produz qualquer tipo de som deve fazê-lo de uma maneira que não incomode aqueles que não querem ouvi-lo. Isso vale para música, comércio, igreja, obra ou vizinho. Por isso meu espaço tem isolamento acústico: ninguém é obrigado a me ouvir.

Concorda que a grande utopia cultural talvez seja levar o erudito ao popular e o popular ao erudito?
Concordo. Tive um professor de história da música que dizia: ;Eu gosto do que eu conheço; eu conheço o que eu gosto;. Isso vale para tudo na vida, mas tem um significado especial em arte: a gente tem desconfiança e irritação com arte que a gente não compreende. Isso é parte de uma insegurança boba de quem acredita que há uma guerra entre popular e erudito, e que qualquer passo em falso pode levar ;o outro; à vitória. Besteira. Tem espaço pra todo mundo.