Maria Bethânia Vianna Teles Veloso é uma força da natureza. A menina santoamarense que queria ser artista de circo, 50 anos depois, é um dos maiores ícones da cultura brasileira. Mesmo sem ter formação acadêmica foi agraciada recentemente com o título de doutor honoris causa pela Universidade Federal da Bahia.
;Receber um título dessa importância nunca passou por minha cabeça. Fiquei comovidíssima e enaltecida por essa distinção recebida da instituição baiana, que foi fundada no mesmo ano em que nasci. É uma novidade em minha vida. Acredito que essa honraria nunca foi atribuída a duas pessoas da mesma família. Anteriormente, meu irmão Caetano (Veloso) havia sido contemplado;, disse Bethânia, emocionada, ao Correio.
;Doutora Maricotinha divide essa homenagem com todos os que têm participado da minha vida, familiares, amigos, compositores, músicos e com quem vem acompanhando minha carreira artística ao longo de cinco décadas;, acrescentou. ;Dedico a condecoração a Nossa Senhora e a Santa Barbara, minhas protetoras;, voltando a demonstrar o sincretismo de sua devoção.
Quanto às manifestações de afeto recebidas em Maputo, capital de Moçambique, em outubro, Bethânia é toda agradecimento. ;Fui lá gravar o documentário Karingana ; que significa licença para contar história ;, no qual fiz um mergulho na obra de outros escritores da língua portuguesa. Lá, recebi homenagem também numa escola pública, que me deixou muito sensibilizada;.
Ela conta que dos escritores destacados no Karingana só conhecia o moçambicano Mia Couto, ;do qual declamei poesias, quando ele lançou antologia poética, em setembro, na Sala Cecília Meirelles, aqui no Rio. Nos tornamos amigos. A surpresa veio do angolano José Eduardo Agualusa (amigo de Caetano Veloso), a quem não conhecia pessoalmente. Ele me dedicou versos belíssimos, durante um ensaio poético, no Centro Cultural Universitário, em Maputo;, relata. Ah, sim, o documentário vai ser exibido no ano que vem pelo canal Curta.
Sem ansiedade, a Abelha Rainha sabe o que a espera em 2017, embora não tenha começado a esboçar nenhum projeto. Adianta, porém, que pretende realizar algo novo, diferente do que já fez e que vem recebendo músicas novas de alguns compositores. Não sabe, por exemplo, se vai utilizar os dois singles lançados nos últimos meses, num próximo trabalho. ;A pedido dos diretores das novelas, gravei Mortal loucura (poema de Gregório de Matos, musicado por José Miguel Wisnik), para a trilha de Velho Chico; e Era pra ser, bela canção de Adriana Calcanhotto, que é ouvida em A Lei do amor. Por enquanto é isso;, resumiu.
70 anos
O ciclo de lançamentos relacionados com celebração dos 70 anos da diva não para. Logo, os fãs e o público em geral vão poder apreciar os livros Então, Maria Bethânia e Caminhos poéticos. O primeiro, coordenado por Bia Lessa (diretora dos últimos shows da artista), reúne 400 fotos, garimpadas no acervo de Bethânia e registro dos fotógrafos Evandro Teixeira, Marisa Alvarez Lima, Cristina Granato e Theresa Eugênia. ;Com essa publicação, Bia faz uma correlação das fotos com a origem do trabalho que realizo, e com Santo Amaro, o Recôncavo Baiano, as raízes da cultura brasileira;, adianta.Já Caminhos poéticos mostra como, navegando pela poesia de Fernando Pessoa, os caminhos da centenária professora e imortal Cleonice Berardinelli e de Maria Bethânia se cruzaram. Do encontro nasceu uma grande amizade e a vontade de disseminar o encantamento pela obra inesgotável do poeta português.
;Encartado no livro vem o DVD O vento lá fora, lançado em 2015, no qual recitamos poemas de Fernando Pessoa. Dona Cleo foi quem organizou tudo. É importante dizer que 1.400 kits de Caminhos poéticos vão ser distribuídos a escolas públicas do Rio de Janeiro, pela editora Bazar do Tempo;, comemora Bethânia.
Agradecimento da diva
Entre tantos lançamentos, o destaque maior fica para Abraçar e agradecer, o projeto comemorativo dos 50 anos de carreira da estrela, originário de espetáculo homônimo levado a várias cidades brasileiras, em turnê que teve início em Brasília, no dia 21 de março de 2015. Gravado em São Paulo, resultou em CD e DVD duplos, que saíram pela Biscoito Fino.
No repertório há também canções inéditas, como Silêncio, da paraibana Flávia Wenceslau; e Viver na fazenda, criada especialmente para essa celebração por Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro. Outras são ouvidas pela primeira vez na voz de Bethânia, entre elas Eu te desejo amor, versão de Nelson Motta para Que reste T-ill de nos amour, clássico do cancioneiro francês, da obra de Charles Trenet. Como ocorre em praticamente todos os shows e discos da cantora, não faltam momentos em que ela leva ao público inspirados textos de Wally Salomão, Clarice Lispector e Fernando Pessoa.
;Abraçar e agradecer era o espetáculo que queria fazer para comemorar os 50 anos de carreira. Busquei evitar algo que se assemelhasse a retrospectiva;, explica a cantora, que tem a companhia da banda formada por Túlio Mourão (piano), Paulo Dafilim (violão e viola), Pedro Franco (violão, bandolim e guitarra), Márcio Mallard (cello), Carlos César (bateria), Marcelo Costa (percussão) e Toninho Ferragutti (acordeon), sob a regência do contrabaixista cearense-brasiliense Jorge Helder. ;É uma banda maravilhosa, tendo à frente Jorge Helder, músico com quem vou querer sempre trabalhar. No show dizia que é o baixo mais disputado da música brasileira;, lembra.
Um minidocumentário, que antecede o show revela a intimidade de Bethânia pouco vista: ela saindo do hotel, a passagem de som, a preparação no camarim, a cadeira branca que costuma usar, seus objetos, o que come, como se concentra, os exercícios vocais e o encontro com os músicos para uma breve oração. Enquanto as imagens se sucedem, a voz da atriz Renata Sorrah é ouvida, fazendo a narrativa, num texto poético de Bia Lessa.
Tributos
O outro DVD registra cenas de tributos prestados à estrela no Rio de Janeiro, entre 2015 e 2016: a exposição de artes plásticas montada no Paço Imperial, sob o título Maria de todos nós; o Prêmio da Música Brasileira, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, iniciativa de José Maurício Machline, no qual foi homenageada por vários companheiros de ofício; e o apoteótico desfile na Marquês de Sapucaí, com o enredo Maria Bethânia, A menina dos olhos de Oyá, que levou a Mangueira a conquistar o título de campeã, no carnaval carioca.
Um livreto ; com texto assinado pelo jornalista, letrista e produtor musical Nelson Motta ; traz fotos colaborativas, feitas durante o show por fãs de diferentes partes do país. ;Comecei a receber essas fotos de vários lugares onde me apresentei com Abraçar e Agradecer e quis utilizá-las de alguma maneira. Registrá-las no livreto foi uma maneira de retribuir o carinho dessas pessoas;, comenta.