Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Maria Bethânia comemora chegada de Fernando Pessoa a escolas públicas

Cantora gravou poesias do português em disco e recebeu o título de doutor honoris causa

Maria Bethânia Vianna Teles Veloso é uma força da natureza. A menina santoamarense que queria ser artista de circo, 50 anos depois, é um dos maiores ícones da cultura brasileira. Mesmo sem ter formação acadêmica foi agraciada recentemente com o título de doutor honoris causa pela Universidade Federal da Bahia.

;Receber um título dessa importância nunca passou por minha cabeça. Fiquei comovidíssima e enaltecida por essa distinção recebida da instituição baiana, que foi fundada no mesmo ano em que nasci. É uma novidade em minha vida. Acredito que essa honraria nunca foi atribuída a duas pessoas da mesma família. Anteriormente, meu irmão Caetano (Veloso) havia sido contemplado;, disse Bethânia, emocionada, ao Correio.

;Doutora Maricotinha divide essa homenagem com todos os que têm participado da minha vida, familiares, amigos, compositores, músicos e com quem vem acompanhando minha carreira artística ao longo de cinco décadas;, acrescentou. ;Dedico a condecoração a Nossa Senhora e a Santa Barbara, minhas protetoras;, voltando a demonstrar o sincretismo de sua devoção.

Quanto às manifestações de afeto recebidas em Maputo, capital de Moçambique, em outubro, Bethânia é toda agradecimento. ;Fui lá gravar o documentário Karingana ; que significa licença para contar história ;, no qual fiz um mergulho na obra de outros escritores da língua portuguesa. Lá, recebi homenagem também numa escola pública, que me deixou muito sensibilizada;.

Ela conta que dos escritores destacados no Karingana só conhecia o moçambicano Mia Couto, ;do qual declamei poesias, quando ele lançou antologia poética, em setembro, na Sala Cecília Meirelles, aqui no Rio. Nos tornamos amigos. A surpresa veio do angolano José Eduardo Agualusa (amigo de Caetano Veloso), a quem não conhecia pessoalmente. Ele me dedicou versos belíssimos, durante um ensaio poético, no Centro Cultural Universitário, em Maputo;, relata. Ah, sim, o documentário vai ser exibido no ano que vem pelo canal Curta.

Plena de felicidade com as seguidas demonstrações de carinho, afeto, admiração e respeito, que tem recebido, desde 2015, a cantora quer aproveitar o Natal e a passagem de ano-novo para descansar. ;Fujo dessas comemorações de réveillon. Busco evitar aeroportos e hotéis superlotados. Prefiro ficar quieta em casa, lendo, assistindo a alguma coisa, reabastecendo a energia.;

Sem ansiedade, a Abelha Rainha sabe o que a espera em 2017, embora não tenha começado a esboçar nenhum projeto. Adianta, porém, que pretende realizar algo novo, diferente do que já fez e que vem recebendo músicas novas de alguns compositores. Não sabe, por exemplo, se vai utilizar os dois singles lançados nos últimos meses, num próximo trabalho. ;A pedido dos diretores das novelas, gravei Mortal loucura (poema de Gregório de Matos, musicado por José Miguel Wisnik), para a trilha de Velho Chico; e Era pra ser, bela canção de Adriana Calcanhotto, que é ouvida em A Lei do amor. Por enquanto é isso;, resumiu.

70 anos

O ciclo de lançamentos relacionados com celebração dos 70 anos da diva não para. Logo, os fãs e o público em geral vão poder apreciar os livros Então, Maria Bethânia e Caminhos poéticos. O primeiro, coordenado por Bia Lessa (diretora dos últimos shows da artista), reúne 400 fotos, garimpadas no acervo de Bethânia e registro dos fotógrafos Evandro Teixeira, Marisa Alvarez Lima, Cristina Granato e Theresa Eugênia. ;Com essa publicação, Bia faz uma correlação das fotos com a origem do trabalho que realizo, e com Santo Amaro, o Recôncavo Baiano, as raízes da cultura brasileira;, adianta.

Já Caminhos poéticos mostra como, navegando pela poesia de Fernando Pessoa, os caminhos da centenária professora e imortal Cleonice Berardinelli e de Maria Bethânia se cruzaram. Do encontro nasceu uma grande amizade e a vontade de disseminar o encantamento pela obra inesgotável do poeta português.

;Encartado no livro vem o DVD O vento lá fora, lançado em 2015, no qual recitamos poemas de Fernando Pessoa. Dona Cleo foi quem organizou tudo. É importante dizer que 1.400 kits de Caminhos poéticos vão ser distribuídos a escolas públicas do Rio de Janeiro, pela editora Bazar do Tempo;, comemora Bethânia.

Agradecimento da diva


Entre tantos lançamentos, o destaque maior fica para Abraçar e agradecer, o projeto comemorativo dos 50 anos de carreira da estrela, originário de espetáculo homônimo levado a várias cidades brasileiras, em turnê que teve início em Brasília, no dia 21 de março de 2015. Gravado em São Paulo, resultou em CD e DVD duplos, que saíram pela Biscoito Fino.

O DVD 1 traz 41 músicas, várias com a assinatura de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Roberto Carlos, Dorival Caymmi, Tom Jobim e Gonzaguinha ; compositores que Bethânia sempre cantou ao longo da carreira. Como de hábito, ela as interpreta magistralmente, quase sempre exibindo sua faceta dramática.

No repertório há também canções inéditas, como Silêncio, da paraibana Flávia Wenceslau; e Viver na fazenda, criada especialmente para essa celebração por Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro. Outras são ouvidas pela primeira vez na voz de Bethânia, entre elas Eu te desejo amor, versão de Nelson Motta para Que reste T-ill de nos amour, clássico do cancioneiro francês, da obra de Charles Trenet. Como ocorre em praticamente todos os shows e discos da cantora, não faltam momentos em que ela leva ao público inspirados textos de Wally Salomão, Clarice Lispector e Fernando Pessoa.

;Abraçar e agradecer era o espetáculo que queria fazer para comemorar os 50 anos de carreira. Busquei evitar algo que se assemelhasse a retrospectiva;, explica a cantora, que tem a companhia da banda formada por Túlio Mourão (piano), Paulo Dafilim (violão e viola), Pedro Franco (violão, bandolim e guitarra), Márcio Mallard (cello), Carlos César (bateria), Marcelo Costa (percussão) e Toninho Ferragutti (acordeon), sob a regência do contrabaixista cearense-brasiliense Jorge Helder. ;É uma banda maravilhosa, tendo à frente Jorge Helder, músico com quem vou querer sempre trabalhar. No show dizia que é o baixo mais disputado da música brasileira;, lembra.

Um minidocumentário, que antecede o show revela a intimidade de Bethânia pouco vista: ela saindo do hotel, a passagem de som, a preparação no camarim, a cadeira branca que costuma usar, seus objetos, o que come, como se concentra, os exercícios vocais e o encontro com os músicos para uma breve oração. Enquanto as imagens se sucedem, a voz da atriz Renata Sorrah é ouvida, fazendo a narrativa, num texto poético de Bia Lessa.

Tributos

O outro DVD registra cenas de tributos prestados à estrela no Rio de Janeiro, entre 2015 e 2016: a exposição de artes plásticas montada no Paço Imperial, sob o título Maria de todos nós; o Prêmio da Música Brasileira, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, iniciativa de José Maurício Machline, no qual foi homenageada por vários companheiros de ofício; e o apoteótico desfile na Marquês de Sapucaí, com o enredo Maria Bethânia, A menina dos olhos de Oyá, que levou a Mangueira a conquistar o título de campeã, no carnaval carioca.

Um livreto ; com texto assinado pelo jornalista, letrista e produtor musical Nelson Motta ; traz fotos colaborativas, feitas durante o show por fãs de diferentes partes do país. ;Comecei a receber essas fotos de vários lugares onde me apresentei com Abraçar e Agradecer e quis utilizá-las de alguma maneira. Registrá-las no livreto foi uma maneira de retribuir o carinho dessas pessoas;, comenta.