O escritor Ferreira Gullar não esconde a inquietação que o faz poeta, como destacou em entrevista à repórter Vanessa Aquino, publicada em 26 de julho de 2015. A poesia sempre o desafiou e o impulsionou a lugares do pensamento cultural dos mais diversos, que se misturam com a atuação política e social desde sempre. Na conversa, o poeta maranhense faz um balanço da sua obra.
PONTO A PONTO / Ferreira Gullar
Sentido da poesia
Pode nascer da dor, mas a poesia serve para dar alegria às pessoas. São muitos os poetas brasileiros bons. Se eu deixar de falar de algum, vou ofender. O que posso dizer é que tem muito poeta de qualidade, que estão escrevendo hoje, que pertencem a gerações posteriores à minha, poetas jovens que estão publicando seus primeiros poemas e com qualidade. Sobre eu ser um grande poeta, é uma opinião das pessoas que me deixa muito feliz. Mas não sou eu que tenho essa opinião. Seria falta de humildade achar uma coisa dessas.
Pés fora do chão
Poeta com os pés no chão não existe. Eu pretendo ser um cidadão com os pés no chão, quando não estou fazendo poesia. Por isso eu digo, quando me perguntam se sou o poeta Ferreira Gullar,;às vezes. Porque não sou poeta 24 horas por dia.;
Poesia contemporânea
Não vou mencionar um poeta contemporâneo específico, porque são vários, mas há uma geração que está produzindo bons poemas. Agora, como sempre, a maior parte não tem a mesma qualidade. Não acho que exista uma crise na poesia contemporânea. A verdade é que nem todas as épocas têm poetas do mesmo nível. Isso não significa crise, propriamente. Às vezes, você tem uma série de poetas bons em um mesmo período, e, às vezes, não. Porque isso depende da personalidade de cada um, se nascem ou não pessoas com um talento maior ou não. Mas eu concordo que não há, nas últimas gerações mais recentes, poetas do nível de um Thomas Stearns Eliot, de um Carlos Drummond de Andrade, mas isso não quer dizer que a poesia esteja em crise, porque há alguns poetas que são de qualidade. Ninguém tem a fórmula para fazer nascer um Carlos Drummond de Andrade.
Experimentações
Acho os experimentos na poesia algo positivo, porque, lá no começo do meu trabalho como poeta, fiz muitas experimentações com a linguagem poética e acho que é uma coisa válida. Mas nem sempre essa experimentação em si já produz uma coisa de qualidade, é um caminho para se chegar a algo bom. As tentativas de inovar, de criar novas linguagens poéticas, são legítimas. O poeta é alquimista e a alquimia dele é transformar sofrimento em alegria. Toda arte verdadeira contém poesia.
Literatura de cordel
No começo dos anos 1960, eu me engajei na luta política em favor da reforma agrária e de outras mudanças. E, nesse período, fiz esses poemas de cordel para o Centro Popular de Cultura, o CPC da Une, que editou esses livros. O objetivo era justamente ajudar na luta.
Poema sujo
Não houve propriamente um processo para escrever o poema. Foram vários anos de exílio. Eu já havia estado na União Soviética, no Chile e, depois, no Peru. Então, quando cheguei em Buenos Aires, começou o mesmo processo de derrubada do governo para instaurar uma ditadura militar, como tinha acontecido no Brasil, no Chile e no Uruguai. Então, fiquei sem ter para onde ir e, nessa circunstância, escrevi o poema como se fosse a última coisa que eu fizesse na vida. Por isso, talvez, ele tenha essa significação, de riqueza de memória, porque ele foi feito em um momento limite da minha vida. Foi escrito durante meses em que fiquei mergulhado, literalmente entregue, não fazia outra coisa que não fosse escrever o poema. Saía para comprar pão, tomava o café, mas a minha preocupação durante o dia inteiro era o poema, era fazer, pensar e escrever. Foram meses de trabalho assim.
Inesperado
Quando vai escrever um poema, o poeta não sabe o que vai fazer. O poema nasce inesperadamente. O poeta trabalha com consciência, elabora com precisão, com cuidado... mas, antes disso ele não sabe o que vai fazer. A poesia nasce do espanto. De algo que você esperava acontecer e não aconteceu, de algo que parece sentir e não sente. Não se decide escrever poesia por vontade. Faz cinco anos que não escrevo nada. Se houver novo espanto, ótimo, Se não houver, não escrevo. Não vou escrever à toa. Não sei se perdi o espanto. Por enquanto, não apareceu mais. Faz tempo que não me espanto. Eu me espanto com os políticos e com a corrupção. Com isso, eu me espanto, mas, com isso, não faço poesia.