Quando começou a pesquisar uma ópera para montar este ano, a cantora e diretora Janette Dornellas se deu conta que As alegres comadres de Windsor, peça de Otto Nicolai adaptada de texto de William Shakespeare, nunca havia sido feita no Brasil. Muito popular na Europa, a comédia permanecia inédita nos palcos brasileiros. Foi um bom motivo para montar a ópera, em cartaz no Teatro da Escola de Música até sábado.
Inscrito no Edital de Linguagem do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), a produção conseguiu verba de R$ 200 mil, o que permitiu o aluguel dos figurinos, a confecção dos cenários e a contratação dos músicos. O projeto é uma parceria com a Escola de Música de Brasília (EMB) e a renda da venda de ingressos será revertida para a disciplina Ópera Estúdio, que forma cantores líricos.
As alegres comadres tem uma trama simples e divertida: Falstaff é um senhor decadente e supostamente sedutor que tenta aplicar um golpe em duas mulheres casadas, mas elas, mais espertas que ele, tratam de engabelar o cavaleiro. Shakespeare teria escrito a comédia no início do século 17 a pedido da rainha Elizabeth. Falstaff aparece em outras peças do bardo, como Henrique V, sempre como um sujeito que muito se gaba de suas fanfarronices. Conta a história que Elizabeth queria ver Falstaff sofrer um pouco, por isso encomendou a história. Shakespeare deu ao texto um formato de comédia bastante popular com uma trama que refletia costumes da época.
A peça ganhou três versões operísticas. Giuseppe Verdi deu a ela o nome do protagonista, assim como Antonio Salieri. Apenas Nicolai guardou o título original dado por Shakespeare e fez com ele três versões, uma em alemão e duas em inglês. A ópera é uma adaptação. Embora guarde o espírito shakespereano e nove dos 15 personagens originais, tem um texto um pouco diferente. Janette Dornellas e o cantor Hugo Lemos, produtor do espetáculo, se debruçaram sobre o texto em inglês para fazer a versão brasileira.
;Adaptar é difícil porque você tem que seguir regras de rima, de prosódia. E tem a responsabilidade de ser Shakespeare. Apesar de o texto não ser dele exatamente, as pessoas esperam certa qualidade. E tem de dar nó em pingo d;água porque, no inglês, as palavras são muito curtas. Eles dizem em uma frase o que levamos três para dizer;, explica Janette, que já dirigiu óperas como Cosi fan tutte, João e Maria e Lucia de Lammermmoor. ;Além disso, são 400 anos da morte de Shakespeare e há celebrações no mundo inteiro. Entre as comédias dele, essa (As alegres comadres de Windsor) é a que mais foi adaptada;, avisa Hugo Lemos, que encarna Falstaff no espetáculo.
Produção
Janette também optou por transportar a trama do século 17 para o 18. Foi uma forma de mergulhar na magia da ópera, com figurinos mais elaborados, perucas extravagantes e cenários rebuscados. A cantora e produtora lembra que é muito comum trazer as histórias das óperas para eras mais modernas como maneira de baratear a produção com figurinos mais simples. ;Decidi pelo século 18 porque também é mais barato: eu poderia alugar os figurinos porque a maioria das óperas feitas no Brasil são do século 18;, explica.
Parte das vestimentas foi produzida para o espetáculo, e parte foi alugada de acervos do diretor Francisco Mayrink e do cantor Francisco Frias. Dividida em três atos, a ópera também terá um pezinho no século 21. Janette e Hugo prometem uma surpresa para o último ato. ;A gente vai usar um recurso cenográfico moderno que nunca foi usado em Brasília e que vai dar uma quebra no espetáculo;, garante Janette.
No palco, os nove solistas são acompanhados por um coro 23 cantores e uma orquestra de 20 músicos sob direção de Ricardo Sousa-Castro. Para montar os dois grupos, Janette e Hugo realizaram audições e incluíram vários alunos da EMB. Além da renda revertida para a escola, o projeto também teve como contrapartida montar um programa para que os sorteios para as vagas na instituição deixasse de ser presencial e passasse a ser virtual. Hugo Lemos, especialista em informática, criou o programa e, a partir de 2017, os sorteios já serão pelo site.
Prodígio alemão
Filho de maestro e com parte da formação em Berlim, o compositor alemão Otto Nicolai começou a compor óperas em meados do século 19 e As alegres comadres de Windsor é sua peça mais famosa. Foram, no total cinco óperas, mas o nome de Nicolai se enraizou mesmo no mundo da música por volta de 1840 quando, morando em Viena, ele deu início a uma série de concertos que resultariam na criação da Filarmônica de Viena, uma das mais prestigiadas orquestras do mundo até hoje.
As Alegres Comadres de Windsor
Ópera de Otto Nicolai baseada na peça de William Shakespeare. Direção: Janette Dornellas. Com Hugo Lemos, Vilma Bittencourt, Clara Figueiroa e outros. Hoje, amanhã e sábado, às 19h, no Teatro da Escola de Música de Brasília (EMB - 602 Sul). Entrada: R$ 20 e R$ 10 (meia). À venda pelo site www.toibrasilia. com.br/bilheteria.