Talvez, o cinema fosse impossível sem a música. Nem é preciso se perguntar quem nasceu primeiro. Muito antes de inventar a imagem em movimento, o homem já havia descoberto que era dono de um instrumento poderoso, uma voz capaz de despertar sentimentos tão distantes quanto a alegria e a tristeza. O cinema não inventou a música, mas certamente não viveria sem ela e é sobre isso que Ruy Castro vai falar quando subir ao palco do teatro do Centro Cultural Banco do Brasil hoje. O escritor é o convidado do músico Zé Renato no projeto Música %2b.
Bonequinha de luxo seria outro filme sem Audrey Hepburn agarrada ao violão em uma escada qualquer de Manhattan cantando Moon river. E Gilda jamais poderia insinuar um streeptease sem toda a encenação de Put the blame on Mame. O que seria de Ginger Roger e Fred Astaire sem Cheek to cheek? Ou do amor despedaçado de Humphrey Bogart e Ingrid Bergman sem As time goes by? Se não houvesse Over the rainbow, talvez O mágico de oz perdesse a mágica e Dançando na chuva parece ter sido criado inteiramente para o momento em que Gene Kelly saltita nas calçadas feliz da vida depois de uns beijinhos em Debbie Reynolds. ;Por causa delas (das músicas), certos atores ou atrizes construíram imagens definitivas;, lembra Ruy Castro.
O escritor recebeu de Zé Renato uma relação de músicas que serão abordadas no bate-papo e concordou com todas. ;Aprovei todas porque, entre todas as canções do cinema, eu prefiro todas;, garante o escritor. Entre elas estão os clássicos Moon river, Cheek to cheek, Singin; in the rain, Over the rainbow, Que reste-t-il de nos amours? e As time goes by. ;Zé Renato vai cantar grandes canções feitas especialmente para o cinema e eu vou falar de cada uma, localizando o filme, quem cantou e, se for o caso, fofocas ; quem namorou quem por trás das câmeras, coisas assim;, garante o escritor.
Ruy Castro não gosta do cinema contemporâneo e acha que a boa música feita nos dias de hoje está escondida. Por isso gostou bastante da seleção de Zé Renato, boa parte com clássicos das décadas de 1930, 1940 e 1950. ;Nos últimos 20 anos, só fui ao cinema para assistir aos filmes de Woody Allen. Não tenho o menor interesse nos filmes contemporâneos;, avisa. Nem na história contemporânea. Não, pelo menos, como material para pesquisa e livros. Mas o próximo projeto de Ruy Castro não é sobre o passado. O autor prepara um livro sobre o próprio trabalho. ;Estou escrevendo um livro sobre biografias. Revelando como elas são escritas;, revela. Com o título de A vida por escrito ; Ciência e arte da biografia, o livro sai pela Companhia das Letras e ainda não tem data para ser publicado.
MÚSICA
Com Zé Renato e Ruy Castro. Hoje, às 19h30, no Teatro 1 do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB SCES Trecho 2). Entrada: R$ 20 e R$ 10 (meia)
Confira a entrevista com Ruy Castro
Qual é a relação mais importante entre música e cinema? O cinema seria possível sem a música?
Essa é uma boa pergunta. O cinema sempre teve música, mesmo quando era mudo. Como pode? Ele tinha música de alguma maneira ; ou uma baita orquestra no poço do cinema ou um simples pianinho ao lado da tela. Ele só não era falado. Quando veio o cinema sonoro, em 1927, a música foi incorporada ao filme na tela. Mas você tem razão, talvez não pudesse existir o cinema sem a música.
Como o cinema ajudou a enriquecer a música e vice-versa?
Grandes canções foram feitas especificamente para filmes ; para os personagens daqueles filmes, para determinadas situações. Mas eram tão bonitas e bem-feitas que passaram a ser apreciadas mesmo por quem não tinha visto esses filmes. E há o caso também de filmes que incorporaram canções que já existiam meio obscuramente e as tornaram famosas. As time goes by, de Casablanca, foi uma delas. Já existia há mais de 10 anos e ninguém lhe dava bola. Aí, foi usada no filme e se consagrou.
O que você acha da música brasileira hoje? O samba-canção e o choro deixaram algum legado, ainda influenciam a música no Brasil?
Algumas pessoas ainda fazem grande música no Brasil, mas em segredo, ninguém toma conhecimento. O mercado se prostituiu completamente e só aceita porcaria.
Sobre o que você teria vontade de escrever hoje? Há algo no Brasil contemporâneo que te estimule a pensar em um livro?
Sobre o Brasil contemporâneo, nada. Ainda é muito cedo para falar dele em termo de história. E o passado do Brasil continua cheio de histórias implorando para ser contadas ; como eu fiz com o samba-canção no livro A noite do meu bem.
O que você acha dessa onda de divisões que acabam estampadas em situações como as eleições americanas e o impeachment no Brasil?
No caso do Trump, realmente houve uma divisão, 50% x 50%. No caso do impeachment, não ; 90% do povo brasileiro era a favor.