Rebeca Oliveira
postado em 06/11/2016 07:47
Ninguém se descobre atriz. Atuar é como uma condição natural: se nasce com ela. É assim que a brasiliense Mariana Nunes enxerga o ofício, que começou nos corredores da Faculdade de Arte Dulcina de Moraes. Aluna de gigantes das artes cênicas da cidade, como Tulio Guimarães e Rachel Mendes, a ex-moradora da Asa Sul precisou aprender, desde cedo, a administrar as adversidades da carreira. Quando decidiu enfrentar grandes metrópoles e adentrar o circuito Rio-São Paulo, ouviu muitos nãos ao longo do caminho. Mulher, negra e vinda de outros perímetros, Mariana jamais se abateu com portas fechadas.
O resultado? Um currículo profissional que não para de aumentar e que, recentemente, ganhou mais uma conquista. Em Maresia, primeiro longa de Marcos Guttman, ela interpreta uma pescadora por quem o pintor Emilio Vega se apaixona perdidamente. O filme tem pré-estreia agendada para a próxima quarta-feira e deve entrar em circuito nacional uma semana depois. Futuramente, Mariana Nunes também estará na série Carcereiros (inspirado no livro de Dráuzio Varella) e no telefilme Amor ao quadrado, ambos da Rede Globo. Há pouco, ele integrava o elenco de Liberdade, Liberdade, na mesma emissora. O reconhecimento veio um pouco antes, quando participou dos filmes Febre do rato, de Cláudio Assis; e Alemão, de José Eduardo Belmonte.
Elencadas, as conquistas podem parecer fáceis. Mas não o foram. Mariana Nunes precisou lidar com fatos com os quais parecemos longe de nos libertar. A população negra representa mais da metade da população brasileira, mas essa realidade não se reflete na tevê, no teatro ou no cinema. Recentemente, Mariana Nunes esteve no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro com O último trago, filme com preocupações sociais, como o respeito a cultura indígena. Para a atriz, nada mais justo que dar voz a minorias. É um papel intrínseco a ela ; e mais valioso qualquer outro que venha interpretar.
;Sendo uma atriz negra, estarei sempre dando vida a personagens que são mulheres negras. Como o cinema é imagem, não tem como desvencilhar uma coisa da outra. Se a proposta não for de uma caracterização diferente do meu biótipo, como naquele filme americano As branquelas, por exemplo, onde atores negros se transvestem de mulheres brancas ; e ainda assim nesse filme, a reflexão passa por uma questão racial, pois são dois tiras negros se disfarçando de mulheres brancas por conta de uma investigação policial ; estaremos nos deparando com uma mulher negra na tela, e isso, por si só, traz uma série de signos históricos;, reflete.
Para Mariana, a consciência sobre representatividade negra deveria se espalhar por todas as artes, sobretudo em um país onde os investimentos em educação estão ameaçados. A cultura marca comportamentos e, como tal, é importante ferramenta de transformação. Aprovada desde 2002 pelo Congresso Nacional, a Lei n; 4370/98, de autoria do deputado Paulo Paim, instituí o mínimo de 25% de participação de negros no total de atores e figurantes nos programas de televisão. O número sobe para 40% em peças publicitárias. A impressão, seja de Mariana Nunes, seja de outros artistas negros, é que a legislação ficou só no papel.
Duas perguntas / Mariana Nunes
Na carreira, sentiu que perdeu oportunidades por ser negra?
Acho que todas as atrizes e atores negros deixam de ganhar oportunidades quando só podem interpretar um personagem se vier definido ;negro;. Se o personagem vem com essa ;pré-definição; significa que estou perdendo a oportunidade de fazer todos os outros personagens que não têm uma ;pré-definição;. Se um personagem não é fisicamente pré-definido, eu posso tentar fazer, sendo ou não negra. Temos que pensar também sobre o que a gente quer falar, que estórias queremos contar ou qual versão da história queremos mostrar. Isso sim faz com que as oportunidades fiquem mais escassas.
Assim como outras atrizes, feito Taís Araújo, você abraça o empoderamento como missão dentro e fora das telas?
Sim. A peça de teatro que acabei de fazer, Invisível, trata da invisibilidade do negro. Não tem como não falar sobre isso. Tem que se trazer luz para esse tema. São muitos, muitos anos de opressão naturalizada e não dá mais pra continuar assim, naturalizando tanto absurdo. Acho que todo mundo tem que pensar mais sobre isso e trazer essa questão mais para perto de si. Não só eu como atriz e mulher negra, mas todos nós, pois essa é uma reparação histórica de todos e não só dos negros.