Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Cantores buscam manter vivo o canto lírico na cidade

Artistas investem no trabalho e na preparação diária para manter a voz cada vez mais apta para os palcos

A preparação para se tornar um bom cantor lírico é árdua e exige dedicação dos futuros profissionais. Entre as aulas de canto, os exercícios para preparar os músculos vocais e os cuidados diários com a saúde da voz, os artistas costumam se dedicar ainda às aulas de interpretação para teatro, outras línguas, presença no palco e teoria musical. Entre os praticantes e apaixonados pelo gênero, se destaca a certeza de que, em música, o talento deve estar constantemente acompanhado da prática. O trabalho vocal diário possibilita o fortalecimento da potência vocal desses cantores, que precisam se sobressair, nos palcos, diante das vozes de um grande coro acompanhado por uma orquestra. Os cantores líricos tornam-se verdadeiros atletas da voz.

Na capital, um dos projetos mais atuantes na área, e o mais duradouro, é o projeto Ópera Estúdio, parte do Departamento de Música da UnB. O projeto surgiu em 1994 com o objetivo de dar mais oportunidades para que os cantores aspirantes da universidade ganhassem experiência e encontrassem um espaço para cantar em uma ópera completa. Criado e dirigido pela professora Irene Bentley, inicialmente pensado para os alunos, o Ópera Estúdio despertou interesse em estudantes de outras faculdades e artistas da cidade, possibilitando esse encontro de interesses no palco. Irene, que é professora de canto lírico desde 1987 e atua como cantora desde 1962, lembra que há algumas possibilidades de formação na cidade: em nível técnico, o CEP-BEM, mais conhecido como Escola de Música de Brasília e em nível superior, a UnB.

;Lá, na universidade, tentamos dar oportunidade para que os alunos continuem seus estudos no exterior, onde as possibilidades de trabalho são maiores. O cantor lírico precisa possuir uma voz extraordinária para poder fazer carreira. São necessários muitos anos de estudo de canto, de expressão corporal, línguas estrangeiras e muita dedicação;, destaca Irene.

Atualmente, o projeto do Estúdio trabalha com alunos e professores da UnB de todos os cursos, além de convidados. Uma das alternativas para permitir que o gênero lírico permaneça vivo na capital é justamente ampliar a participação e contato do público com a arte e levar apresentações para espaços cada vez mais diversos. Irene conta que este é um dos objetivos do projeto, que busca expandir suas produções com a comunidade ao redor.

No início deste ano,o grupo apresentou uma versão moderna da ópera francesa Carmen. O professor de canto se recicla sempre, já que todos os dias se preparam vocalmente e trabalham a voz ao ensinar as diferentes técnicas para os alunos. ;Devemos conhecer muito sobre higiene vocal, para adquirir domínio de como utilizar nossa voz da forma mais correta, quais cuidados devemos ter para manter nossa saúde vocal;, afirma Irene. Vale lembrar que um dos objetivos centrais do projeto criado pela professora é trazer a ópera e o canto lírico para o público atual, por meio da renovação dos espetáculos e criação de uma linguagem mais contemporânea.

Renovação
Francisco Frias Neto é outro veterano do gênero na cidade e atualmente é diretor de cena de espetáculos operísticos. O cantor lembra que as possibilidades de mercado ainda são pequenas na cidade e é preciso ter outros trabalhos como fonte de renda regular. ;A maioria dos grandes profissionais ainda precisa procurar outros países ou outras cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo, que têm uma atividade um pouco mais intensa na área;, afirma o diretor. Frias conta que gostaria de renovar as apresentações de grandes óperas na cidade, que diminuíram nos últimos anos.

O cantor lembra que na década de 1980 cerca de quatro espetáculos anuais chegavam a ser produzidos, além dos concertos com as orquestras da cidade, do teatro Nacional e da Escola de Música. ;Aos poucos essa atividade foi diminuindo, até chegarmos nos dias de hoje, em que não temos nem local de apresentações, já que o Teatro Nacional continua fechado;, aponta Francisco. Vale lembrar que a preparação para o trabalho é árdua e o cuidado com a saúde vocal deve ser constante para não afetar a produção sonora durante os espetáculos.

Enquanto isso, a cantora Ariadna Moreira, que canta desde os 15 anos e já passou pelos estudos da UnB e da Escola de Música, conta que escolheu o gênero por ser de uma expressão artística muito intensa, sensorial e imaginária, desafiando o cantor ao estudo disciplinado. A musicista lembra que ainda há algumas casas de ópera no Brasil, além de companhias que produzem projetos individuais e possibilidades de apresentação em recitais, grupos de câmara e solo com orquestras. ;É sempre um desafio. Mas essa possibilidade de expressão profunda e vigorosa da voz humana faz valer a pena;.


Dificuldades


Leonardo Neiva é cantor lírico há 18 anos, sempre convidado para as montagens de ópera na cidade, e afirma que o mercado para os cantores do gênero em Brasília, e no restante do país, ainda é muito escasso. ;Infelizmente quem se forma em canto lírico ainda encontra muitas dificuldades para sobreviver desse trabalho. Mas Brasília sempre foi um celeiro de excelentes cantores, a cidade já formou grandes profissionais que, em grande parte, vão trabalhar fora;, afirma o artista. Leonardo conta que estuda praticamente todos os dias e atualmente ministra aulas de canto em Brasília e São Paulo. O cantor lembra das dificuldades enfrentadas pela profissão na capital e aconselha jovens aspirantes a procurarem mercados mais diversos. ;O Teatro Nacional, onde eu comecei, onde foi o primeiro palco da minha vida, neste momento está jogado às traças e com as portas fechadas há anos. Falta investimento;, declara.

Enquanto isso, o cantor deixa algumas dicas para quem quer preparar a voz: ;Deve-se levar em consideração três coisas: a primeira é a higiene vocal (não falar alto, não beber, não fumar, hidratar-se bem etc...); a segunda: vocalizar e estudar música, nunca parar de estudar para que a voz esteja sempre sadia e em forma. Terceira: ter uma vida mais regrada possível e praticar esporte;.

Jean Nardoto faz parte do grupo brasiliense Ópera Jovem e trabalha com canto lírico há 17 anos, tendo sempre considerado a ópera um dos gêneros de expressão performática mais fascinantes. ;Não é uma escolha fácil, nem de execução nem como carreira no Brasil, mas eu me sinto realizado ao me comunicar através dessa arte;, conta o artista. Seu trabalho com o Ópera Jovem pretende trazer a linguagem operística, que trata muitas vezes de assuntos distantes de nossa realidade moderna, para uma linguagem mais acessível ao público. ;Com essa meta já montamos seis espetáculos em Brasília nos últimos dois anos.; A ideia é fazer o gênero lírico circular e se manter vivo na cidade.