Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Banda Rios Voadores lança primeiro disco, autoral e cheio de personalidade

Álbum gravado de forma independente traz rock alternativo

Cursos de água que pairam e se movimentam pelos ares, os rios voadores são um fenômeno natural conhecido por irrigar bacias hidrográficas de todo o mundo. É um acontecimento invisível, mas vital. Justamente por essa capacidade anônima de movimentar-se e gerar novas conexões essenciais ao bem-estar mundano, o termo serviu de descrição perfeita a banda brasiliense homônima que, desde 2014, tem chamado atenção de público e crítica de todo o país. Agora, a formação musical de Beto Ramos (contrabaixo), Gaivota Naves (vocais), Hélio Miranda (bateria e vocais), Marcelo Moura (guitarra, violão e vocais) e Tarso Jones (teclado, violão e vocais) lança o primeiro e aguardado disco.

Autoral, enérgica e com potencial para trazer de volta à cidade o título de capital nacional do rock, a Rios Voadores levou dois anos no processo de gravação do álbum de estreia, carregado de dedicação e histórias. O tempo que, para alguns pode ser tido como demora, eles enxergam como empenho. Com a visibilidade que alcançaram em 2014, principalmente a partir da apresentação no Festival Porão do Rock daquele ano, os meninos psicodélicos surfaram em ondas gaúchas. Foi em Porto Alegre que gravaram o debute no formato tradicional, com os irmãos Gustavo Dreher e Thomas Dreher, parceiros de outros artistas da boa safra do rock brasileiro, como as bandas Júpiter Maçã, Bidê ou Balde e Graforréia Xilarmônica.

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Nada de FAC ou crowdfunding. Independente, o disco foi pago pelos próprios artistas. "O custo foi alto", confirmou a vocalista, Gaivota Naves. Entretanto, o resultado final valeu cada centavo gasto. Considerado um tratado geral das influências de todos os integrantes, Rios Voadores tem 11 faixas. Apenas uma é regravação: Cenouras, versão de faixa de Fredera gravada pelo também psicodélico Som Imaginário, grupo de sucesso na década de 1970 elogiado pela mistura de rock progressivo com MPB e jazz. A banda que acompanhava Milton Nascimento é desconhecida do grande público. Por isso, a Rios Voadores se vê como ponte entre décadas distintas, mas que se complementam. "Na mudança do vinil para o CD, muitas bandas dessa época foram colocadas no ostracismo. Fizemos uma ampla pesquisa do Brasil desse período. Ficou uma miscelânea bem gostosa", adianta Gaivota, com voz que passeia entre uma rouquidão etérea e uma firmeza contestadora.

Apesar de mirarem para um país de 40 anos atrás, as faixas que compõem o disco provocam reflexões sobre o Brasil de hoje. Uma nação dividida e polarizada, em que opiniões contrárias causam curto-circuito em vez de promoveram o diálogo. "A música Brasil de ponta a cabeça, por exemplo, foi feita há três anos e reflete o que estamos passando. O país está completamente perdido, passa por um processo de hipocrisia absurdo. O refrão diz algo como ;eu nem ligo mais;. É como se tivéssemos entregado os pontos;, avalia Gaivota. Nos palcos, elas assume uma postura aos moldes de Ney Matogrosso e Johnny Hooker. Catártica, ela dança, interpreta e canta. Definitivamente, Gaivota transcende.

A atmosfera bicho-grilo, presente na sonoridade, também evoca os anos em que fazer um som também era uma forma de provocar revolução. ;O fato da Rios Voadores ser uma banda de contracultura foi algo que aconteceu organicamente. Estamos em Brasília, com os centros do poder na ;nossa cara;, não havia como não nos atravessarmos e falarmos sobre isso, mesmo de forma subjetiva. A capital tem essa coisa do mambembe, do Udigrudi, a descontração de trabalhar a política com leveza, por sermos uma cidade modelo, uma escultura. Fazemos esse contraponto evocando essas questões, mas em um estado gravitacional mais leve;, avalia a vocalista.


SERVIÇO

Rios Voadores
Primeiro disco da banda homônima. Gravação Estúdios Dreher, distribuição Tratore. Independente, 11 faixas. Preço: LP ; R$ 60 e CD ; R$ 15.





Duas perguntas /Gaivota Naves


Porquê lançar disco e vinil numa época em que a maior parte dos ouvintes se concentra no digital?
É um sonho! Optamos por lançar um álbum cheio, com 11 faixas, um LP e um CD tradicional porque pesquisamos muito. A música está no nosso cotidiano e na nossa vida como coisa primeira. É o que eu faço assim que acordo, e direciona meu dia, e dos meninos também. Como trabalho inaugural, fizemos questão de manter da forma tradicional. Quando selecionamos as faixas já pensamos no formato vinil, com o que entraria no lado A e lado B. A qualidade do vinil é extremamente maior que a MP3. Mas já estamos pensando no futuro e provavelmente, no semestre que vem, entraremos em estúdio para gravar um EP. Não podemos deixar as novas mídias com EPs, singles, e os lançamentos digitais.

Qual diagnóstico faz da cena musical local?
Brasília está apaixonante porque você vai sendo surpreendido semanas após semana. Sem falar das bandas que a gente já conhece e são incríveis, como Cantigas Boleráveis, Komodo, Vintage Vantage, Protofonia. Música mambembe, folk, boleto, rock, psicodelismo, e o mais bonito de tudo é que todas elas conversam e são amigas. Pelo que tenho visto nos últimos 10 anos, nunca esteve melhor. O problema é a falta de espaço para tocar e essa intolerância à música. Vemos vários exemplos e várias situações onde o problema é ela. É difícil lidar com a Lei do Silêncio e a Agefis em uma cidade com espaços públicos incríveis. Uma pena que não tenhamos evoluído nesse âmbito. A produção ; não apenas de música ; tem ficado cada vez mais efervesceste, e a cidade expulsa os próprios filhos que querem morar aqui, produzir, fazer cultura. Coloca o artista em uma situação muito difícil se não for agraciada por recursos públicos. As pessoas querem comer o que a cidade tem. Em Recife, eles se orgulham da produção local. Isso só acontece com a ajuda de todos. É importante a gente se entender como brasiliense, justo em uma cidade tao transitória. Somos a primeira geração nascidos e crescidos aqui, temos que reconhecer como um lugar, como um lar, e ter orgulho dele.