Diversão e Arte

Tom Zé lança disco sobre sexo às vésperas de completar 80 anos

O cantor e compositor conversou com o Correio e falou sobre o disco, a carreira e novos compositores

Alexandre de Paula
postado em 09/10/2016 07:00

Tom Zé: 'Fui trabalhar ali na fronteira entre a narrativa, o ruído e a rebeldia, onde consegui mais do que mereço de Deus'

Às vésperas de completar 80 anos, Tom Zé recusa a alcunha de gênio, acha que andam desperdiçando a palavra por aí. ;Até eu sou vítima dela de vez em quando;, conta. Trabalho e suor, garante Tom Zé, são os responsáveis pelo que fez até agora. O cantor, que faz aniversário na terça-feira, acaba de lançar Canções eróticas de ninar e se debruça, em 13 faixas, sobre o tema do sexo, a partir das lembranças da infância em Irará (interior da Bahia).

Em entrevista ao Correio, Tom Zé conta que percebeu, desde cedo, que era ;um péssimo músico, um péssimo cantor, um péssimo compositor; e que isso foi o que lhe deu liberdade para criar entre ;a narrativa, o ruído e a rebeldia;. Na conversa, ele fala também sobre a idade, novos compositores e machismo.


Por que só fazer um disco sobre sexo aos 80 anos? A idade te deu novas visões sobre o tema?

Há momentos em que o aparecimento de uma força é grosseiramente denominado de ;tesão;. Esse foi um dos principais impulsos, já que o tema é muito difícil e nos deu muita dor de cabeça.

Por outro lado, parece existir um quê de inocência e descoberta, até pelo título. Como é essa relação?
O leitmotiv e base de tudo é a vida na minha infância, quando o assunto sexo não era absolutamente tratado, nem em casa nem na escola. Imperava um profundo e decidido silêncio.

Você já esteve (e está) ao lado de jovens compositores, como Tim Bernardes, d;O Terno, Marcelo Segreto, da Filarmônica; Tatá Aeroplano; Como você o que esses ;meninos; estão produzindo hoje?
Ezra Pound disse que quando um país começa a escrever mal é sinal de que, dentro de quatro anos, ele não terá possibilidade de se governar. Aqui no Brasil, se isso funcionar, levando em conta os trabalhos desses jovens que você citou, o Brasil estará muito mais bem governado.

A essa altura da carreira, como Tom Zé avalia Tom Zé?
A palavra ;gênio; anda por aí desperdiçada e jogada pra cima e pra baixo. Até eu sou vítima dela de vez em quando. Meu trabalho não tem nada que ver com genialidade ; é o dom da observação, a cutilada em assuntos bem específicos e suor, suor, suor.

Como manter a inquietude e a inventividade mesmo com o passar do tempo e depois de ter feito tanta coisa?
Isso é mesmo curioso: todo mundo diz que, com 80 anos, o artista está fazendo retrospectivas e outros balacobacos. Tive muita dificuldade no início e só depois de 60 anos encanou-se um duto bem fértil na minha imaginação. Talvez seja por isso.

Você já disse que, na infância, não tinha a menor vocação para a música, como foi se tornar o criador e o músico que é?
Não somente não tinha vocação como, para minha salvação, descobri bem cedo que era um péssimo músico, um péssimo cantor, um péssimo compositor. Esse vazio me jogou numa liberdade que mata muita gente. Mas comigo foi diferente: fui trabalhar ali na fronteira entre a narrativa, o ruído e a rebeldia, onde consegui mais do que mereço de Deus.

A figura feminina tem uma importância para o novo disco, de que maneira ela aparece para você?
O fato de vivermos num mundo machista, no qual o Brasil se conta entre os primeiros, faz com que o próprio assunto ;sexo; seja sempre contaminado por alguma ofensa à mulher. Houve momentos em que quase desisti do disco. Mas a leitura de uma reportagem da revista JP (de Joyce Pascowitch), na qual ela manda uma repórter bem competente passar pela experiência de uma massagem tântrica, que provoca excitação e gozo extremos, fez com que percebêssemos que estávamos sendo muito tímidos. E então voltamos ao trabalho.

Como toda essa violência contra elas, que também é um tema de certa forma, te aflige?
Olhe, aqui em São Paulo, o Fórum do Butantã foi invadido por um ;gentleman; que costumava bater na mulher e estava uma fera com a juíza que o processara: ele queria pegá-la e botar fogo na própria. Então, essa violência nos chega de todo o jeito. Outro exemplo: os jornais de São Paulo publicaram na semana passada que 1 em cada 3 brasileiros afirma que a mulher é que é a culpada em caso de estupro.

Você já gravou um disco sobre a internet antes, a rede ainda pode ser mote para criação? Ela alterou, de algum modo, sua forma de ver as coisas?
Olhe, os estudiosos, como Lúcia Santaella, dizem que a chegada da informática é um fato que provocará transformações antropomórficas. Se a gente quiser lembrar de alguma outra transformação na história humana, pode trazer aquela do momento em que o homem resolveu andar sobre dois pés; aquela em que ele inventou a primeira língua; aquela em que o procedimento humano pôs em perigo a própria preservação da vida no planeta.

O cantor e compositor conversou com o Correio e falou sobre o disco, a carreira e novos compositores

SERVIÇO

Canções eróticas para ninar
Tom Zé. 13 faixas. Circus. R$ 30

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