Quando em 1959, Maria da Graça Costa Penna Burgos ouviu, pela primeira vez no rádio, João Gilberto cantando Chega de saudade (Tom Jobim e Vinicius de Moraes) a música teria um outro sentido para ela. A partir daquele momento, passou a conviver com a ideia de se tornar cantora, o que viria a acontecer cinco anos mais tarde, ao se juntar a Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Tom Zé no espetáculo Nós por exemplo, que inaugurou o Teatro Vila
Oficialmente, a carreira de Gal Costa (nome artístico criado por Guilherme Araújo) teve início em 1966, ao participar da primeira edição do Festival Internacional da Canção, no Maracanãzinho (Rio de Janeiro) interpretando Minha senhora, parceria de Gilberto Gil e Torquato Neto. Mas o Brasil viria a conhecer melhor a cantora dois anos depois, quando defendeu Divino maravilhoso, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, no Festival da Record.
Com a ida de Caetano e Gil para o exílio em Londres, Gal, musa da Tropicália, se tornaria porta-voz do movimento ; liderado pelos dois ; justamente no momento em que se tornou a grande estrela da MPB. De lá para cá, foram incontáveis discos lançados, shows antológicos, um certo distanciamento da grande mídia, e a reconquista do espaço que sempre lhe pertenceu, com os álbuns Recanto, Estratosférica e o show Espelho d;água, ; comemorativo dos 50 anos de carreira.
Paralelo
Nesse recital intimista, acompanhada pelo violonista e guitarrista Guilherme Monteiro, Gal revisita canções que marcaram diferentes momentos de sua trajetória. São clássicos criados para ela como Baby (Caetano Veloso), Folhetim (Chico Buarque), Meu nome é Gal (Roberto e Erasmo Carlos), Modinha pra Gabriela (Dorival Caymmi) e Espelho d;água (Marcelo Camelo e Thiago Camelo), as quais se juntam Volta (Lupicínio Rodrigues), Tuareg (Jorge Ben Jor), além de Negro amor, versão de Caetano Veloso e Péricles Cavalcanti para It;s all over now, Baby Blues, de Bob Dylan; e Solitude, versão de Augusto de Campos para Solitude, de Duke Ellington.
Diretor do espetáculo, Marcus Pretto diz que Espelho d;água foi feito sob encomenda, para a inauguração de um teatro em São Paulo, mas diante da repercussão, acabou se transformando num projeto paralelo de Gal Costa e indo para a estrada. ;Em todas as apresentações a que assisti, o clima foi de grande emoção, e pude notar que várias pessoas foram às lágrimas;.
Produtor do CD Estrastoférica, Marcus conta que durante uma reunião na casa de Gal, ela lhe falou sobre o show de inauguração do Teatro J. Safra e lhe pediu que criasse o roteiro. ;Aquilo para mim foi um sonho. Assim como vários outros fãs, eu tinha na cabeça o show de Gal que gostaria de assistir. Selecionei canções que poderiam ter a assinatura dela, em razão da interpretação que emprestou, transformado-as em clássicos. Foi assim com músicas de Caetano, Chico, Roberto e Erasmo. Ela também foi responsável por popularizar criações de Lupicínio, por exemplo;.
Ele destaca, também, os arranjos criados por Guilherme Monteiro, o violonista e guitarrista que acompanha a diva. ;São arranjos lindos, feitos por um músico que transita com familiaridade e propriedade entre o rock e o jazz. Tivemos apenas 15 dias de ensaios e as soluções que obtivemos contribuíram para fazer de Espelho d;água um show belíssimo;.
Gal Costa sobe ao palco neste domingo (25/9) no Festival Satélite 061 (na Torre de TV), às 22h15 e traz a turnê premiada do mais recente disco da carreira, Estratosférica. O show contará com apresentação de faixas como Sem medo nem esperança e a canção-título do disco.
Entrevista
Gal, como foi sua reação quando ouviu no rádio João Gilberto cantando Chega de saudade?
Foi de encantamento e atração instantânea. Achei aquilo moderno e atraente. Fiquei extasiada!
Esse fato foi determinante para que você viesse a ser cantora?
Já queria ser cantora desde que me entendi por gente. Desde que comecei a pensar, já sabia que seria cantora.
Que importância teve Caetano na sua decisão?
Na verdade, esta foi uma decisão que sabia que seria meu destino. Na medida em que fui conhecendo as pessoas da música, a certeza da qualidade do meu canto me fortaleceu. Caetano e João Gilberto tiveram forte influencia e impulso na minha decisão.
O show Nós por exemplo, no Teatro Villa Velha, em Salvador, em 1964 pode ser visto como marco do início de sua carreira, ou foi a participação no 1; Festival Internacional da Canção, em 1966?
Esses momentos foram importantes, mas acho que Divino maravilhoso (música de Caetano Veloso e Gilberto Gil, que ela defendeu no Festival da Record de 1968) foi o início da grande mudança em mim.
Foi o que a fez conhecida nacionalmente?
O que me tornou conhecida foi o disco Domingo (gravado com Caetano). E o que se seguiu foi também muito relevante.
Seu primeiro disco solo, de 1969, trazia Baby, que viria a se tornar um clássico da MPB. Esta canção continua sendo marcante para você?
Claro!! Canto em todos os shows que faço. É um grande sucesso.
Como era para Gal, a grande estrela da música brasileira, segurar a barra da Tropicália, com Caetano e Gil, os mentores do movimento, no exílio em Londres?
Foi mesmo difícil naquela época. Muita pressão e angústia. Não era fácil. Mas segurei a barra!
Fa-tal, o show que cumpriu longa temporada no Teatro Teresa Raquel, no começo da década de 1970, transcendeu a área da música e se transformou num acontecimento no Rio de Janeiro, reverberando pelo país. O que você guardou na memória sobre aquele momento de sua trajetória?
Tudo que fiz na trajetória da minha carreira teve grande relevância. Fa-tal foi muito importante. Foi um show lindo! Guardo boas lembranças dele.
Além do Fa-tal, álbum que faz parte da antologia da MPB, que outros títulos, na sua avaliação, são importantes em sua discografia? Por quê?
Todos são importantes e fazem parte das várias mudanças que aconteceram na minha carreira. Minha carreira é rica também por esse motivo. Faz parte do meu temperamento e acho importante que artistas mudem, sejam corajosos para encarar mudanças.
Se tivesse que fazer um top five das músicas gravadas por você, quais incluiria?
Agora você me pegou!!! Gosto muito de tantas que não quero citar nenhuma preocupada em esquecer alguma.
Recanto e Estratosférica representam uma nova fase da carreira de uma cantora que sempre se renova?
Na verdade, representam um resgate daquilo que habita em mim. Esses discos são totalmente coerentes com a minha história. Mas não deixam de ser uma renovação.
Em Brasília você veio inicialmente com a turnê do Índia. Depois voltou com outros shows memoráveis, como o Gal Tropical, O sorriso do gato de Alice e, mais recentemente, o Estratosférica. Agora retorna com o Espelho d;água. Esse é uma espécie de espetáculo retrospectivo, com o qual comemora 50 anos de carreira?
Espelho d;água é um concerto onde canto canções que queria cantar há muito tempo. São músicas que a galera jovem conhece e nunca teve a oportunidade de me ver cantá-las no palco, ao vivo.
SERVIÇO
Satélite 061
Torre de TV (Eixo Monumental). Domingo (25/9), das 16h à 0h. Show nos palco principal com Gal Costa. Entrada franca. Classificação indicativa livre.
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