Um dia comum na vida de Leopold Bloom na cidade de Dublin, na Irlanda. Um resumo do enredo do livro Ulisses em 144 caracteres talvez fosse algo assim. Aparentemente, nada complexo. A linguagem, as referências e a forma de James Joyce, no entanto, levaram esse simples dia a se tornar uma das mais importantes e revolucionárias obras da literatura mundial. Traduzir a escrita inventiva de Joyce é sempre um desafio, imagine transformá-la em uma história em quadrinhos. O mais recente lançamento da coleção Clássicos em mangá, da editora LP no Brasil, no entanto, mostra que é possível verter Ulisses para o mundo das HQs e apresenta uma versão do clássico em mangá.
Adaptar qualquer livro para os quadrinhos já é, em si, um desafio. ;A grande dificuldade é equilibrar uma série de esforços e necessidades: respeitar o original, garantir o conhecimento da obra-fonte a partir da adaptação ; ainda que parcialmente ; e justificar a transposição a partir da linguagem que a acolhe;, explica o doutorando em letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador de quadrinhos Vinicius Rodrigues.
No caso das HQs, é preciso demonstrar, segundo o professor, que as especificidades da linguagem podem reconstruir enredos que já estão consolidados por meio da literatura.
Uma obra como Ulisses, repleta de particularidades formais e inovações, torna a tarefa ainda mais difícil. ;Qualquer obra literária em que a forma tem um peso tão grande quanto o conteúdo, livros que, além de uma experiência narrativa, propõem uma experiência de impacto estético através da linguagem são um grande desafio;, comenta o tradutor Alexandre Boide, responsável pela coleção, que adapta clássicos para os quadrinhos na LP. ;Naturalmente, boa parte desse impacto estético é intransponível para outra forma de arte, por ser intrinsecamente literário.;
O professor Vinicius Rodrigues concorda que adaptar Ulisses para os quadrinhos é um grande desafio, assim como a própria tradução da obra. ;É um livro notoriamente conhecida pela sua arquitetura narrativa complexa, no entanto, mais do que isso, é sabido o quanto James Joyce representa um desafio extremo no que diz respeito à tradução de suas obras;, expõe. ;Partindo dessa premissa, é possível dizer que as mesmas dificuldades se expressam no campo da adaptação;, aponta.
Apesar de recusar o termo acréscimo quando se fala do conteúdo de uma adaptação, Boide assegura que o processo é um ato criativo, que propõe uma releitura da obra original. ;Em termos mais concretos e literais, o grande acréscimo de conteúdo são os recursos visuais ; o que na leitura da obra literária cabe apenas ao leitor, em sua imaginação;, acredita.
Para o tradutor, esse tipo de adaptação promove a possibilidade de unir entretenimento à leitura de um clássico. ;A proposta desse tipo de adaptação é mais lúdica, de oferecer ao leitor a possibilidade de entrar em contato com uma narrativa clássica de uma forma que proporcione entretenimento ; e creio que a chave aqui seja justamente essa, a de um entretenimento de qualidade.;
O professor Vinicius Rodrigues acredita que esse tipo de adaptação pode também ajudar a criar bons leitores, que eventualmente chegam à fonte. ;A boa adaptação em quadrinhos e o bom mediador desse tipo de leitura tentam articular aspectos autônomos com outros que produzem alguma curiosidade em compreender as ideias da obra-fonte ou em estabelecer diálogo com outras obras;, sugere.
Ulisses
400 páginas. L. Coleção Clássicos em mangá. R$ 29,90.
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