Quando artistas como Angeli, Laerte, Adão, Luís Gê e Spacca começaram a ficar conhecidos no mundo dos quadrinhos, São Paulo já era uma metrópole inchada e cheia de contradições. Cosmopolita e marginal, fortemente atingida pela explosão demográfica ao longo das duas décadas anteriores e habitada por uma população cada vez mais sujeita aos efeitos de um crescimento acelerado, a capital paulista também abrigava uma turma de quadrinistas atentos para a dinâmica urbana.
A maneira como esses eles falavam da própria cidade despertou no pesquisador André Cezaretto, especialista em histórias em quadrinhos, a vontade de olhar para a produção de quadrinhos das décadas de 1980 e 1990 como um espaço de discussão da vida na metrópole. O resultado da pesquisa está em Cidade em tiras: os quadrinhos e as cidades no Brasil, em cartaz a partir de hoje na Caixa Cultural.
[SAIBAMAIS]Na mostra, Cezaretto reuniu 60 revistas em quadrinhos e 30 estudos e desenhos assinados por Luis Gê, Adão, Spacca, Laerte e Angeli. Entre as revistas selecionadas estão clássicos dos quadrinhos brasileiros, como Chiclete com Banana, Piratas do Tietê, Níquel Náusea, Balão e Circo. Durante a produção da tese de mestrado na PUC de São Paulo, Cezaretto percebeu a importância da presença da capital paulista na obra dos artistas. ;Todos eles são de uma geração que traz uma novidade para as histórias em quadrinhos no Brasil. Até então, nossas HQs eram muito Turma da Mônica. Esses caras começaram a trabalhar as HQs como um segmento undergournd, alternativo, com temas para adultos. E com a cidade de São Paulo muito forte, tudo se passa dentro da cidade;, explica o curador.
Nas revistas, os quadrinistas expunham uma interpretação da vida na cidade ao falar de temas como poluição, congestionamento, a realidade da cidade vertical, da vida de classe média nos condomínios e a depressão comum na população urbana submetida a rotinas exaustivas e limitadas. Os artistas falam de São Paulo, mas os temas são universais para a vida urbana de modo geral. ;Isso se replica para qualquer metrópole;, repara Cezaretto. ;A exposição tem uma visão da cidade como espaço urbano, mas também do cotidiano na cidade.;
Nos anos 1960, São Paulo passou por um boom demográfico cujas consequências começaram a ser sentidas nos anos 1970 e 1980. ;São Paulo surge, nos anos 1980, como uma cidade muito cosmopolita, com uma cultura urbana e novas visões musicais, não tão ligada à cultura popular, com uma cultura mais suburbana. Esses artistas querem falar do que eles vivem;, descreve o curador. Não foi fácil fazer a seleção para a mostra. Cezaretto resgatou centenas de revistas para encontrar as histórias e tirinhas mais adequadas. Para algumas, incluiu, além das histórias completas, muitas vezes com cinco ou seis páginas, os estudos que permitem acompanhar o processo de criação das HQs. O pesquisador também gosta de ressaltar que uma das particularidades da produção das revistas era o fato de os artistas terem controle sobre todas as etapas da produção, do roteiro e desenho à publicação.
Cidade em tiras: os quadrinhos e as cidades no Brasil
Curador: André Cezaretto. Abertura hoje, às 19h. Visitação até 16 de outubro, de terça a domingo, das 9h às 21h, na Galeria Vitrine da Caixa Cultural Brasília (SBS Quadra 4 - Edifício anexo à Matriz da Caixa)