Geoffrey Arnold Beck ; ou simplesmente Jeff Beck ; é daqueles raríssimos caras que não precisam provar nada a ninguém. Aos 72 anos, com mais de 50 anos de carreira, qualquer referência ao guitarrista carrega termos como ;clássico; e ;lenda;. Não é para menos. A credibilidade e o reconhecimento são tamanhos que o britânico sempre seguiu bem acompanhado pela estrada do blues e do rock;n;roll. Criou-se ao lado de sujeitos como Jimmy Page (Led Zeppelin), Eric Clapton (Cream), Mick Jagger (Rolling Stones), Brian May (Queen), Roger Waters (Pink Floyd), isso só para citar alguns.
Com influência em tantas superbandas, imagina-se que Jeff Beck também tenha tido a sua. Não é bem assim, mesmo se forem evocados os Yardbirds. Recluso, perfeccionista, temperamental, excêntrico, purista, pouco importa o adjetivo, fato é que ele só encontrou a parceria ideal nas guitarras. E talvez esse detalhe explique em parte o eterno flerte com o submundo da indústria musical, apesar de conceituadíssimo entre aqueles que entendem do riscado. Jeff Beck, enfim, é um lobo solitário do blues-rock, provavelmente o melhor exemplo do estilo.
É nesse terreno que fica mais fácil compreender o talento desse também apaixonado por carros antigos ; em alguns momentos da carreira, ele deu mais atenção ao barulho dos motores dos hot rods do que ao som das guitarras. Para começar a entendê-lo, melhor esquecer os grandes duetos do rock n; roll, como Robert Plant/Jimmy Page e Mick Jagger/Keith Richards. Jeff Beck está mais próximo de Jimi Hendrix, só que sem o mesmo talento para assumir o microfone. Mas Jeff se basta. Segura a onda de um disco completo, muitas vezes sem que se sinta falta dos vocais e das letras nas canções.
Desde a estreia, nos anos 1960, lançou discos em todas as décadas seguintes, com fôlego e qualidade conquistados por poucos. São pelo menos 17 álbuns marcados por distorções refinadas, riffs atraentes e incursões destemidas em diversos estilos musicais, mesclando blues e rock com jazz, funk, eletrônico e o que vier pela frente. Jeff Beck é Jeff Beck. Melhor não rotulá-lo. Foi assim que entrou duas vezes para o Rock And Roll Hall Of Fame (pelos Yardbirds e pela carreira solo), ganhou oito vezes o Grammy Awards e figura no quinto lugar entre os 100 maiores guitarristas de todos os tempos da Rolling Stone.
Megafônico
Após seis anos, Jeff Beck está de volta. Em Loud hailer, lançado há algumas semanas, ele faz tremer o admirável mundo do blues-rock. Ao contrário do último trabalho (Emotion & commotion), que soa contemplativo demais, às vezes, sonolento (com todo o perdão antecipado a Jeff), o novo disco tem, como atesta o nome, a força de um megafone. O guitarrista aposta novamente em parcerias femininas para transpor os limites. Se no álbum anterior ele abriu frestas para a companhia de Joss Stone, Imelda May e Olivia Safe, desta vez, ele escancarou a porta para a jovem dupla londrina Rosie Bones (vocais) e Carmen Vandenberg (guitarra). É com Rosie que ele assina todas as composições.
O resultado é um Jeff Beck confiante e crítico, que abre Loud hailer com a poderosa The revolution will be televised. O abre-alas, marcado por uma bateria possante, não poderia ser mais significativo: resume a vibração do disco e as atuais preocupações do guitarrista com as tensões mundiais e a falta de engajamento político da juventude. The revolution... Provoca o ;guerreiro de fim de semana;, que acompanha os conflitos mundiais pela tevê e ;na segurança dos sofás;. Afinal, ;a revolução, essa será televisionada/Você pode escolher vê-la ou não;.
Live in the dark não dá tempo para recuperar o fôlego perdido na primeira faixa. Rosie Bones avança poderosa sobre a guitarra de Beck e empresta vocais imponentes a uma das mais pesadas e belas faixas do disco. É um dos poucos momentos do trabalho ; e da carreira de Jeff Beck ; em que a música se sustenta pela voz e não pela guitarra. Não por acaso essa foi a canção escolhida como o primeiro single do álbum.
A instrumental Pull it e Right now experimentam as distorções dos pedais característicos de Jeff Beck. Nelas, ele tem Carmen Vandenberg para dividir a benção da plateia. Thugs club e The ballad of the Jersey Wives reforçam o pilar político de Loud hailer, com citações aos ataques de 11 de Setembro, em Nova York, e críticas ao ex-presidente norte-americano George W. Bush. Scared for the children talvez seja a balada mais sensível e contemplativa do trabalho (ao lado de Edna, de apenas 1 minuto, e Shame), abertamente inspirada no mais recente caso de amor de Beck: Jimi Hendrix. Os acordes são influenciados por Angel, de 1971. A letra, no entanto, mais uma vez retoma as preocupações do guitarrista com o cenário internacional. E sentencia ;o fim da Era da Inocência;.
O espaço para experimentações e brincadeiras instrumentais fica por conta de O.I.L. (Can;t get enough of that sticky), uma levada saborosamente groovy tocada com uma guitarra feita com lata de óleo. O mimo foi dado por Billy Gibbons, guitarrista e vocalista do ZZ Top. Shrine, que fecha o disco, é outro exemplo do sobrevoo competente de Rosie à frente dos vocais. Ela comanda parte da festa, sem jamais deixar de reverenciar o anfitrião: Jeff Beck. Mesmo que esse não precise provar mais nada a ninguém.