postado em 31/07/2016 07:33
Elza Soares traz na voz o timbre do grito de luta de uma mulher negra, forte e engajada. A ;voz do milênio;, título dado pela rede britânica BBC, é de uma mulher negra, brasileira e feminista. Aos 80 anos ; 60 dedicados à música ; ela reafirma o merecido espaço entre as grandes divas da MPB. O primeiro trabalho de inéditas da cantora coleciona prêmios. ;Fruto de muita luta;, diz ela.
Com tanto sucesso e reconhecimento, Elza Soares foi confirmada para a cerimônia de abertura das Olimpíadas, que ocorrerá no Maracanã em 5 de agosto. Não é a primeira vez que a artista marca presença em um evento deste porte. Em 2007, ela cantou o Hino Nacional na abertura dos Jogos Pan- Americanos, também no Rio de Janeiro. ;Participar de cerimônias como essas tem um significado muito importante. Estarei lá representando o povo brasileiro, os negros, as mulheres e os gays;, destaca.
Lançado no ano passado, o álbum A mulher do fim do mundo soma prêmios, entre eles: Melhor Disco, no Prêmio da Música Brasileira .
Neste novo trabalho, o primeiro de inéditas, Elza conseguiu expurgar tudo o que viu e viveu, por meio de músicas, letras e arranjos pensados por ela. A artista quer levar benfeitorias para a comunidade carente de Centreville, de Santo André, em São Paulo. Para isso, a cantora lançou um financiamento coletivo no Kickante. O local escolhido vai totalmente de acordo com o repertório engajado, ousado e libertário de A mulher do fim do mundo, em que a intérprete se empodera como mulher negra e denuncia de maneira visceral os preconceitos raciais, a violência doméstica e social, além de abordar morte, sexo e negritude.
;A ideia para a campanha do Kickante surgiu para que pudéssemos deixar alguma coisa para o pessoal da comunidade. Vejo as mazelas sociais com muita tristeza, porque a gente não pode falar ou fazer nada, infelizmente. Isso é triste, muito triste. Então, a ideia é fornecer melhorias no dia a dia das pessoas que moram na região, como iluminação, segurança, encanamento, entre outras ações necessárias;, proclama Elza .
Ponto a ponto / Elza Soares
Luta e reconhecimento
Eu, mulher e negra, conquistei o meu espaço lutando. Mesmo com o sucesso com o CD (A mulher do fim do mundo), continuo lutando, e a gente sabe que não é fácil no Brasil. Trabalho sem patrocínio, por conta própria. Quando foi feito o CD, a gente teve que escolher música e pedi ao Guilherme Kastrup que fosse um trabalho que pudesse falar com a empregada doméstica, por exemplo. E tem muito de mim mesma no disco. São letras muito fortes. Maria de Vila Matilde, quem tem muito de mim, é um grande sucesso, graças a Deus e não toca em rádio. A mulher do fim do mundo é o princípio do mundo, fim das tragédias e início de coisas boas.
Eu não tenho nem palavras para falar do reconhecimento porque é muita luta, sem parar. Mesmo depois de operada, eu não parei um minuto sequer. Os prêmios mostram que vale a pena trabalhar. Pensei em desistir há alguns anos, mas Caetano Veloso não permitiu, me disse que uma abelha rainha não abandona a colmeia.
Amy Winehouse
O pai da cantora Amy Winehouse me convidou para fazer um trabalho com ele. Fizemos um trabalho bem bonito aqui no Brasil, Rio, São Paulo e Porto Alegre. O pai dela tomou a iniciativa de me procurar porque a Amy gostava muito de mim e uma vez ele levou um disco meu para ela.
Louis Armstrong
Ele me chamou de ;my daughter;; mandaram eu chamá-lo de ;my father;. Pensei que estava chamando ele para fazer outra coisa (risos). Falaram: ;Vai lá e chama ele de ;my father;, falei: ;não, não vou fazer isso, tá louco. E se ele aceitar, se ele gostar, o que eu faço?;. Mas cheguei perto do negão e ele: ;yeah, my daughter;, e eu ainda entendia que ele estava me chamando de;doutora, (doctor). E eu pensando: ;Pô, o cara me chamando de doutora o tempo todo, meu nome é Elza, Elza Soares;. Aí, me explicaram que ele estava me chamando de ;filha; e falaram também o que era ;my father;.
Sexualidade e feminismo
A sexualidade está maravilhosa, viva, não é uma sujeira, é uma coisa limpa e está maravilhosa. Hoje, a mulher tem mais liberdade para falar sobre sexo, que é um tema muito importante. As mulheres foram entendendo que têm liberdade para tudo e força para fazer o que ela quer.
Minha história de luta como mulher é muito forte, mas me tornei feminista mesmo quando conheci o Garrincha. Aí, tive que arregaçar as mangas e partir para a luta; ali entendi que eu era uma mulher forte. Antes disso, com o Ary Barroso, vi que eu tinha que lutar muito.
Voz e cordas vocais
Desde criança, quando comecei a cantar, eu tinha uma voz diferenciada. Meu pai e minha família não queriam porque, naquela época, mulher que cantava era prostituta. E, até hoje, a palavra de que eu mais gosto é ;prostituta;. Juro. Porque, no fundo, todo mundo se prostitui. Acho que no fundo a gente se prostitui muito, sem saber, mas se prostitui.
A minha fonoaudióloga, em São Paulo, fez um trabalho com a minha garganta. Inclusive, ela está indo agora para os Estados Unidos estudar a minha garganta. A minha corda vocal dá uma distorcida legal e eu não sabia disso. Minha corda vocal, de tão torta, é certa.