Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Em entrevista, Adriana Falcão fala sobre os ingredientes da escrita

Adriana trabalha na adaptação para o cinema de um de seus livros mais conhecidos, 'Luna Clara & Apolo Onze'


Adriana Falcão está à cabeceira da madrinha de 104 anos quando atende o telefone. A velhinha está morrendo e a escritora e roteirista tem a voz embargada, mas é capaz de lembrar que, mesmo na dor, o humor é importante. ;Se não tem humor, não consigo;, diz. Logo depois, ela conta que, entre um choro e outro, deu risadas com uma prima ao lembrar histórias da madrinha enquanto aguardavam notícias do médico. Não só o humor é essencial para Adriana, mas a leveza também. É essa característica que ela explora em A gaiola, livro que virou musical em cartaz hoje no CCBB, sob direção de Duda Maia e com música de Eduardo Rios. No livro de 2013, a escritora fala sobre um momento dolorido, quando se separou do também roteirista João Falcão. O humor e a simplicidade ajudaram a superar o momento, assim como a neta, então recém-nascida. Agora, Adriana trabalha na adaptação para o cinema de um de seus livros mais conhecidos, Luna Clara & Apolo Onze. A filha, a cantora Clarice Falcão, ex-Porta dos Fundos, ajuda no roteiro e a direção será de Flávia Lacerda. Na tevê, Adriana faz parte da equipe de roteiristas da série Mister Brau, da Globo. Abaixo, ela fala sobre A gaiola e os ingredientes da escrita.


Como foi ver Eduardo Rios transformar seu livro em música?
Quando soube que ele ia fazer a adaptação comigo, fiquei muito tranquila porque conheço esse menino desde pequeno e ele é um geniozinho desde pequeno. Escreve bem, tem uma sensibilidade enorme. E quando a gente começou a trabalhar, ele escrevia coisas que eu dizia ;Deus! não podia ter sido mais acertado.; Foi muito gostoso, fico muito feliz de meu livro ter sido tratado com tanto carinho.

Muitos dos seus livros são transformados em musicais. Tem uma conversa da sua escrita com a música?
Tem sim, né? Teve A máquina, Mania de explicação. Eu enxergo isso. Quando as pessoas perguntam das minhas influências, da minha vida, óbvio que tem muita coisa literária, tem o Paulo Mendes Campos, que sempre cito, e tem o realismo mágico do García Marquez. Mas acho que uma coisa muito importante na minha formação foi a MPB, porque nos anos 1970, quando eu era criança, ficando jovem, peguei o auge de Chico, Caetano, Gil, Milton Nascimento. E acho que aprendi muito com a MPB, acho que está bem clara no meu trabalho a paixão pela música.

O livro é uma história de separação ; e não é a primeira vez que você fala sobre isso...
Ele é exatamente a minha separação. Fui casada muitos anos com o João Falcão, foi um casamento muito lindo, temos duas filhas, uma parceria muito grande, e a gente se separou no fim de 2009. Dias depois que minha primeira neta nasceu e que não é neta dele, é do meu primeiro casamento. Foi uma separação muito difícil, é muito amor que tenho por ele, mas eu via muito dessa maneira, como eu descrevo no livro. Essa coisa de desapegar: você ama uma pessoa, como a menina ama o passarinho, e diz ;vai, passarinho, ser feliz, vai viver;. É muito difícil fazer isso, mas, às vezes, tem que fazer. E foi assim que eu escrevi.

E por que pra criança? Um tema tão difícil...
Primeiro, acho que eu queria muita leveza e ver o lado bonito da separação. Acho que tinha isso. E tinha a coisa de a minha neta ter acabado de nascer. O livro, inclusive, é dedicado a ela. No primeiro ano da separação, eu tinha aquele bebê, era avó pela primeira vez, e vivi muito perto dela. Ela me ajudou tanto naquele momento. Eu e João tínhamos uma relação de 30 anos.

E qual o papel do humor nisso tudo?
Para mim, só consigo com humor. Se não tem humor, não consigo. Agora mesmo estava com minha prima ao lado da minha madrinha, a gente estava chorando, porque está muito perto de ela ir, e estava comentando que um dia minha madrinha me disse ;sabia que quando a gente vai morrer Nossa Senhora espera a gente do outro lado para acompanhar?;. Contei para minha prima e ela disse: ;Pois Nossa Senhora deve estar esperando sentada, porque ela não quer ir de jeito nenhum;. E a gente começou a rir e chorar.

E a simplicidade, é importante tanto na vida quanto na escrita?
Acho que sim. Gosto muito de tentar descomplicar as coisas. E até para minha neta entender. Para as crianças entenderem, para todo mundo entender. Eu sou de uma geração para a qual o casamento é uma vida, é uma coisa muito grande. Então, quanto mais leveza a gente tiver nessa hora para lidar com nossos filhos e netos, para não pesar, melhor.

Quantas palavras são necessárias para uma história? Tuas histórias nascem naturalmente das palavras e com elas se encadeiam;
Tenho uma paixão por palavras. E aí volto para a MPB. Chico Buarque, sei a obra dele trás pra frente, porque ele tem essa precisão da palavra, a palavra bonita, que diz com mais sensibilidade. E sinto isso. Às vezes, encontro uma palavra e digo ;ah achei;! Dá uma alegria tão grande achar a palavra para dizer o que eu queria. Porque, às vezes, estou não só procurando o significado mas também uma métrica, um som, que é onde acho que tem a ver com a música. E quando encontro a palavra certa, fico muito feliz.

Doçura e carinho são comuns na sua escrita. Onde os encontra? Estão em falta no mundo?
Estão demais em falta. E exatamente na situação em que estou percebo isso. Uma hora minha madrinha abriu o olho e pediu ;pega na minha mão;. E ela ali, com dificuldade de respirar enorme, sabendo que está indo embora;. E eu pude fazer esse carinho de pegar na mão dela. Um gesto tão simples e tão importante naquele momento.

Seus livros, apesar de serem para crianças, encantam também adultos. Por que, na sua opinião?
Acho que é porque sou muito aberta, muito sincera. Se é pra falar o que senti na minha separação, no meu casamento, eu vou e falo da maneira mais direta, mais simples, como todo mundo entende, sem esconder o sentimento, sem tentar enfeitar. Acho que tem um pouco isso, da sinceridade. Nesse livro, A gaiola, botei completamente meu coração na roda. E acho que isso chega perto porque as pessoas têm experiências parecidas.

E você já tinha feito isso em Queria ver você feliz;.
Sim, é a história dos meus pais. Também botei completamente meu coração na roda, porque foi uma história tão intensa e que mexeu tanto comigo e minhas irmãs! E eu achava tão rico, achava que outras pessoas podiam se beneficiar daqueles sentimentos. E em A gaiola, é a mesma coisa. Agora chega de falar de mim. Já falei tudo, não tenho mais o que falar.