Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Inhotim (MG) completa 10 anos com coleção de 1,3 mil obras de arte

Allan Schwartzman, integrante da equipe curatorial do parque, credita o sucesso à combinação única de natureza com arte

Quando o colecionador e empresário Bernardo Paz começou a esboçar a ideia de criar um parque para abrigar sua coleção de arte contemporânea, a mídia internacional especializada na área o chamou de Fitzcarraldo da arte contemporânea. Aficionado por Richard Wagner, o personagem idealizado pelo cineasta Werner Herzog para filme de mesmo nome quer construir um teatro em plena selva amazônica. O surrealismo da ideia de Fitzcarraldo batia com a extravagância de Paz e o apelido pegou por um tempo. Depois, Inhotim tomou forma e o que parecia uma ideia louca de um rico empresário sul-americano começou a surpreender o mundo.

Dizem que foi Tunga, morto no mês passado, quem desafiou Paz a construir um primeiro pavilhão, o prédio que hoje abriga True rouge, instalação montada com vidros e esponjas embebidas em um líquido vermelho. Em 2004, Cildo Meireles também ganhou um pavilhão. O parque contava, na época, com 13 hectares e, em 2006, abriu para o público como um misto de museu de arte contemporânea e jardim botânico desenhado com base em projeto de Burle Marx. Dez anos depois, Inhotim conta com 140 hectares e um total de 23 pavilhões pelos quais já passaram mais de 2,5 milhões de pessoas, um sucesso que Allan Schwartzman, integrante da equipe curatorial do parque, credita à combinação única de natureza com arte.

Schwartzman era conselheiro para colecionadores e dono de uma agência em Nova York quando conheceu Bernardo Paz, em 2002. Ex-curador do New Museum of Contemporary Arte de Nova York, ele se tornou consultor para a coleção e ficou impressionado com a ;energia e o comprometimento; do empresário. Hoje, ele olha para Inhotim com a certeza de que não existe nada igual no mundo. ;Na maioria dos grandes museus, há algo muito exigente na relação com o visitante. Eles são muito limpos, com espaços neutros e a experiência pode ser exaustiva;, diz. ;Em Inhotim, a experiência é outra, porque natureza e arte estão realmente integradas, as pessoas passam um dia inteiro aqui e não ficam exaustas. É um tipo de experiência que está integrada a outro tipo de experiência.;

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Os nomes mais importantes da arte contemporânea dos séculos 20 e 21 têm obras em Inhotim. Lá, é possível conhecer o Desvio para o vermelho, que Cildo Meireles montou por completo não mais que três vezes; as Cosmococas, trabalho emblemático de Hélio Oiticica e Neville de Almeida; o raríssimo Teenage lust, ensaio sobre drogas de Larry Clark; o vídeo e a instalação De lama lâmina, do polêmico Matthew Barney; um pavilhão inteiro de Miguel Rio Branco, outro de Claudia Andujar e um terceiro de Adriana Varejão. A escultura Beam drop Inhotim, de Chris Burden, é considerada uma das mais importantes do artista e brota do chão do parque. São 700 obras em exibição, todas selecionadas de um acervo de 1.300 peças.

Confira, abaixo, entrevista com Antonio Grassi, diretor executivo do parque:

Uma parte significativa do dinheiro de Inhotim vem da captação via Lei Rouanet. Você teme que isso seja afetado com propostas de reforma da lei e as fraudes detectadas pela PF?
A propósito dessa história da demonização da Lei Rouanet, a gente acha que, claro, todas as incorreções e formas erradas de atuar têm que ser corrigidas; quem faz errado tem que ser preso. Agora, o que a gente tem defendido é que a lei é imprescindível para alguns projetos, como é o caso de Inhotim. A lei permite que a gente faça todas essas ações que a gente faz no social. Além disso, fazemos um dia gratuito, que é quarta-feira, e só podemos fazer esse dia porque temos a lei Rouanet.

E você acha que a lei está ameaçada?
Acho que está demonizada e mal apresentada para as pessoas. Tem uma série de questões, a meu ver equivocadas, que vão desde aquela coisa de achar que artista que defende o PT e a Dilma é patrocinado pela Lei Rouanet. Isso é uma mentira deslavada, porque a lei não é um dinheiro que o governo dá pra ninguém, ela é uma autorização de captação, as pessoas captam independente de sua coloração partidária. A lei não tem essa tendência. Ficou uma coisa muito vinculada a patrocínio de artista. Depois, veio essa questão de ser mal gerida, de misturar com essa história de Lava-Jato, e há uma grande desinformação no meio disso.

Tem uma falta de fiscalização também, não?
Tem um procedimento que deve ser aprimorado. A gente não pode admitir nenhuma picaretagem, mas a gente tem que entender que o sentido da lei em alguns projetos, como é o caso de Inhotim, é muito importante. Tem que separar o joio do trigo. Se o único mecanismo que a gente tem, que precisa ser reformulado, passa a ser também bloqueado, haverá uma falência total da cultura nacional.

Você teme que a imagem de Inhotim possa ser arranhada por tudo isso, com a Operação Lava-Jato?
Olha, acho que uma das conquistas que tivemos foi conseguir consolidar a Oscip. O instituto Inhotim hoje é uma Oscip com auditoria externa, temos auditoria da Ernest Young, temos um conselho de administração que gere essa história independentemente da pessoa que criou, e tem esse processo que se ultimou com a doação das obras e das terras, que o Bernardo já começou a trabalhar. Nesse sentido, Inhotim consegue ter uma atuação independentemene de qualquer pessoa física. O fato de a gente também ser uma Oscip, um instituto, guarda semelhança com alguns procedimentos da área pública. O fato de ser uma Oscip nos obriga a prestar contas e exatamente por isso tem uma auditoria externa, o que é bom nos tempos que a gente vive. Hoje todo mundo desconfia. Você parte do princípio de que tem que desconfiar. É uma loucura.

Mas você acha que isso não tem fundamento?
Acho que tem fundamento, mas que acaba julgando, tudo vira uma coisa só. Essa generalização da condução das coisas é muito complicada. Tem um problema hoje nos órgãos públicos: os organismos de controle mandam mais que os gestores e isso tem um lado muito difícil. Quando entrei na Funarte, vários funcionários me disseram ;se você quiser ter uma gestão tranquila, não faça nada;. Isso é um horror para quem trabalha com criação. E acaba que, em alguns momentos, esse tipo de conselho tem ressonância. É difícil. Não é que a gente tenha que ter as coisas descontroladas, não dá pra pregar isso no mundo em que a gente está vivendo. Mas acho delicado estar o tempo inteiro atado.

E por que acha que a gente chegou nisso?
Teve um descaminho total, uma lambança enorme. Não tenha dúvida. Uma lambança muito maluca. Agora, não dá também para, de antemão, achar que as coisas são todas passíveis disso.

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