postado em 27/06/2016 07:35
A iniciativa de uma dupla de rendeiras pernambucanas deu origem a uma técnica de bordado mundialmente reconhecida: o ponto casa caiada, caracterizada pelos quadriculados exatos que, unidos, podem dar vida a uma grande variedade de figuras. A arte, aprendida pela bordadeira Evelyn Tom Back complementa o trabalho do artista plástico e especialista em arte brasileira Antonio Delei, que vislumbrou na obra clássica Abaporu (1928), da pintora paulista Tarsila do Amaral, o tema central da exposição Aventura modernista, em cartaz no salão branco do Palácio do Buriti até 13 de julho.
O quadro, que marcou o movimento artístico no início do século 20, a histórica Semana de Arte Moderna de 1922, faz parte do acervo do Malba (Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires) e tem visita ao Brasil prevista para o período das Olimpíadas. A ausência da tela em território brasileiro incentivou Delei a propor uma viagem de Abaporu em diferentes cenários, tendo em comum as cores vivas da obra que aborda a cultura indígena e garante amplitude da arte brasileira em escala mundial.
Releituras das matrizes artísticas mundiais serviram de pano de fundo para as obras inspiradas no Abaporu. ;Tomei o clássico de Tarsila como um homem fixo. A primeira coisa que pensei foi em tirá-lo dessa imobilidade. Fiz ele retornar à tribo e visitar culturas que influenciaram as artes de povos tradicionais;, ressalta o artista plástico, que buscou referências em países como Peru, Guatemala, Índia, Grécia e no continente africano.
Origem
;O Abaporu tem uma certa ingenuidade. Apesar de singelo, esse quadro continua sendo provocativo. Ele lança em nós um fascínio pela plástica nacional: é um nacionalismo de essência sem partidarismo. Não importa se está em Buenos Aires ou Tóquio, é um representante da arte de raiz nacional;, avalia o artista, que acredita que a tela de Tarsila do Amaral volta ao topo de questões de origem brasileira. Delei ressalta a inclinação da vanguarda modernista para as técnicas artísticas consideradas tradicionais. ;O bordado em tapeçaria é uma arte popular presente em várias culturas. O modernismo sempre teve essa característica: dar luz ao mundo sobre elementos fortemente regionais;, afirma.
A exposição, organizada pela primeira-dama do Distrito Federal, Márcia Rollemberg, é composta por seis telas feitas em tapeçaria e bordadas ponto a ponto por Evelyn, que abandonou um trabalho burocrático na Organização dos Estados Americanos (OEA) para dedicar-se à arte manual no ateliê Tapete das artes. O ofício manual pouco valorizado no país permanece vivo e está entre as grandes marcas da cultura artesanal brasileira. ;Acredito na força do bordado na cultura brasileira apesar das dificuldades. É um trabalho difícil que leva muito tempo porque tecemos ponto a ponto e, infelizmente, não tem o devido valor, nem financeiro e nem do próprio trabalho em si, que é uma entrega que você faz em cada ponto que você dá. Essa exposição é uma maneira de reconhecimento desse trabalho;, ressalta Evelyn em entrevista ao Correio.
Bordado e pixels
A parceria de Antonio Delei e Evelyn Tom Back teve início em 2010 de uma maneira inusitada. Ao visitar um armarinho, o artista pediu indicação de uma bordadeira à vendedora. Depois do primeiro contato, a dupla passou a realizar parcerias de um trabalho delicado com as telas assinadas por Delei. ;Tudo começou com o pedido dele para que eu bordasse um tapete. Existe uma sintonia entre o desenho dele, ousado e com muitos detalhes, com o meu trabalho. Fui me desafiando a bordar o que ele desenhava, o que enriqueceu meu ofício;, ressalta Tom Back, que acredita que a união entre a arte de bordar e as artes plásticas pode impulsionar e ressignificar o trabalho das bordadeiras espalhadas pelo Brasil.
Na avaliação do artista, o trabalho de Evelyn Tom Back manteve a liberdade do desenho original traduzido para a tapeçaria de maneira primorosa. ;Costumo dizer que o perfeito trabalho de bordado de Evelyn em minhas telas se assemelha a pixels. Isso vai ao encontro com o signo de modernidade que Brasília imprime em seus traços sem deixar de garantir a identidade brasileira;.
Exposição Aventura Modernista
De 24 de junho até 13 de julho, no salão branco do Palácio do Buriti (Via N1 n; 3 Praça do Buriti). De segunda a sexta, das 9h às 18h. Entrada franca.