Pelo menos 7 milhões de pessoas acompanham, em tempo real, o que o rapper paulistano Projota tem a declarar. O número de seguidores no Facebook (7,1 milhões) e no Instagram (860 mil) reflete o alcance obtido por José Tiago Sabino, antes balconista e entregador da Zona Norte de São Paulo, 15 anos após se tornar MC.
Foi nesse intervalo que a relação com o hip hop transformou J.T, como era chamado, em expoente da nova geração do rap nacional, emparelhando a popularidade de seu nome com a de veteranos como Emicida (3,8 milhões de seguidores no Facebook) e Criolo (1,6 milhão). Na esteira de seu primeiro e único álbum de estúdio, Foco, força e fé (2014), Projota se vale dos holofotes para lançar CD (Universal Music, R$ 21,90) e DVD (Universal Music, R$ 29,90) 3Fs ao vivo, gravados em São Paulo, e exprimir conteúdo político imbutido nas próprias rimas.
Ele se diz o joio que não faz questão de se juntar ao trigo. Em letras como Mulher, Ela só quer paz e O portão do céu, a mais ideológica de seu repertório, o rapper prega o empoderamento feminino, a valorização da estética negra e o consumo consciente. ;Quem tá puto aí levanta a mão / tá na hora de revolução / Quero ver, quero ver quem passa pelo portão;, diz a letra, que faz referência à tragédia ambiental de Mariana (MG) e à corrupção no meio político.
;Precisamos fortalecer a luta das mulheres, aderir ao movimento feminista. A gente comprou o barulho das minas e precisa deixar isso claro, ainda mais sendo artistas, subindo aos palcos, tendo o alcance que nós temos. É uma minoria que usa esse espaço para depreciar a causa;, declara, em relação à objetificação das mulheres na música. A preocupação em atender a demandas da sociedade e desconstruir preconceitos também se refletiu, recentemente, no contemporâneo Criolo: 15 anos após lançar Vasilhame, canção do disco de estréia, o rapper alterou a letra a fim de subtrair expressões preconceituosas, como ;traveco.;
Em 3Fs, as letras mais engajadas de Projota se somam a hits como Elas gostam assim (com participação de Marcelo D2), Tsunami freestyle (com Rashid e Kamau) e Faz parte (com Anitta), além de gravações antigas, registradas em mixtapes independentes produzidos em estúdio caseiro.
;Quero falar o que o Mano Brown [Racionais MC;s] fala, mas também o que Djavan fala;, diz Projota nas gravações recém-lançadas. Ele se refere à alquimia delicada entre a subcultura do hip hop e o padrão de composições clássicas da MPB. Projota quer para os rappers o preciosismo de ícones da música nacional e, ainda, a adoração direcionada a cantores do gênero sertanejo - no Facebook, porém, ele ultrapassa a marca de Wesley Safadão (5,7 milhões de seguidores).
;Estamos no caminho, mas há bastante coisa a fazer, muito espaço a conquistar. Esses gêneros têm que navegar como qualquer outro, como o sertanejo, por exemplo;, pontua. A resistência enfrentada no princípio da carreira, garante ele, se dissipou: ;Hoje, as pessoas percebem que há qualidade por trás das batidas. Não é apenas um som.;
ENTREVISTA: Projota, rapper e produtor musical
Considera esse projeto uma releitura do primeiro? Ou, dado o formato e a adesão de inéditas, considera algo novo?
O legal desse DVD é que ele é dividido entre Foco, força e fé, as músicas antigas, produzidas no quarto de casa, de forma amadora, e as inéditas. Na verdade, ainda produzo muitas músicas assim, em estúdio caseiro. As músicas já lançadas ganharam arranjos completamente novos. É um trabalho inédito porque soma diferentes fases. Costumo me apresentar somente com DJ, mas no DVD uma banda nos acompanha em grande parte do show.
Por que a inclusão de composições antigas, produzidas antes da fama?
A proposta é que o público que já me conhece tenha contato com o Projota de antes. Quero apresentar essa fase aos fãs. As coisas cresceram nos últimos anos, chegou muito mais gente do que eu esperava. Quero mostrar a elas como eu era antes, no que eu pensava.
Nas gravações, o cenário simula um ringue em alguns momentos, e você encarna um lutador. De onde surgiu a ideia?
Escolhemos o Espaço das Américas, em São Paulo, e, embora seja um local enorme, optamos por concentrar as gravações num determinado espaço. Em formato de arena, reunimos 3,5 mil pessoas. O ringue foi ideia do meu empresário. Esse lance do lutador eu queria fazer há muito tempo; eu adoro UFC. Além disso, eu tinha uma ideia antiga de passear entre o público, simular uma luta; Funcionou superbem.
As inéditas, como O portão do céu e Moleque de vila, foram compostas neste ano? Chegou a considerar a possibilidade de guardá-las para um outro projeto inédito, como um EP?
Foram compostas no fim do ano passado. Passei bastante tempo planejando esse DVD. Eu sabia, também, que precisava de mais duas ou três músicas novas de trabalho para este ano. As composições surgiram naturalmente. Não tenho um padrão de processo criativo. Componho no avião, na estrada, em casa, enquanto dirijo, quando acordo; Desde o princípio, compus as letras visando o DVD, não considerei outro projeto. Mas, devo entrar em estúdio no início de 2017 para gravar novo álbum de inéditas.
Como definiria, em linhas gerais, a influência da black music dos anos 1970 nessa gravação? Essa época em especial lhe inspira?
O lance da banda ficar em cima de um tablado durante o show remete aos programas de auditório daquela época. No palco, ficamos somente eu e o DJ Zala, que me acompanha desde 2009. Esse formato ajuda a reforçar a importância do DJ, algo ligado ao surgimento do rap, ao conceito do hip hop. O DJ e o MC são figuras centrais.
E a escolha do figurino, como funciona?
Eu escolho a maioria das coisas. Mas, quando fazemos algo maior, como o DVD, alguns figurinistas me assessoram. Eu vou misturando referências, vamos compondo o visual juntos. Eu me sinto bem de várias formas, então é fácil selecionar roupas. O estilo característico é o do hip hop, que eu gosto e tem relação direta com minha proposta. Mas também gosto de usar terno, camisa de botão; Minha peça preferida é a jaqueta. E eu adoro sair para comprar roupas. Acho que o figurino é fundamental para deixar claras minha mensagem, minha postura, minhas referências.
Como vê a questão da objetificação das mulheres na música? Tem acompanhado repercussões desse tipo?
Meu posicionamento é fazer o que eu faço. No caso, fazer o oposto. Faço músicas que exaltam a mulher. Eu fiz Mulher, por exemplo, uma música bem importante para a minha carreira, falando bem da mulher, da sua sensibilidade. Ela só quer paz, por outro lado, mostra essa força da figura feminina, essa fibra. A mulher tem o direito de ter total liberdade sobre as escolhas dela, pode vestir o que quiser, trabalhar com o que quiser, sair para onde quiser. É importante que os homens falem isso, entendam isso, reforcem essa ideia. Elas precisam saber que podem contar com a gente, que a gente comprou o barulho delas. Os artistas em geral pensam como eu. É uma minoria que objetifica a mulher. O problema é que, às vezes, são estes que ficam em evidencia e essa postura ganha notoriedade. Não quer dizer que seja algo generalizado.