Ana Maria Machado nem nota, mas sabe, graças à crítica, que seu texto é bastante musical. Há ritmo e métrica, embora ela nunca tenha se preocupado em ;fazer um texto em compasso três por quatro;. Casada com um músico e mãe de um dançarino, a escritora de 74 anos estará em Brasília no fim do mês para um encontro com Zé Renato dentro do quadro do evento Música %2b, no CCBB. ;A relação que existe entre música e literatura é muito mais no nível da sensibilidade. Quem dá um papel importante às artes, à música, à dança, ao teatro e à literatura sabe que existe uma relação de sensibilidade entre elas;, garante.
Enquanto prepara os detalhes do encontro, Ana Maria comemora este ano quatro décadas de carreira. Foi em 1976 que ela publicou o primeiro livro, Recado do nome, resultado de uma tese de doutorado. A ele, somam-se 10 romances, 10 livros de ensaios e mais de 100 dedicados às histórias infantojuvenis. A estreia na literatura aconteceu, aliás, com os livros para os pequenos. Em 1969, Ana Maria estava exilada na França depois de fugir do governo militar. Para ganhar algum dinheiro, começou a mandar as histórias infantis para serem publicadas na revista Recreio. Os romances viriam depois, mas a autora garante que não há grandes diferenças entre escrever para crianças e para adultos. ;A única diferença que vejo é que o repertório de leituras da criança é menor que o de adultos, então a gente não pode fazer referência a memórias culturais de coisas que esse leitor já deve conhecer;, explica.
O romance mais recente foi publicado no ano passado e resultou de uma provocação. Depois de ler A audácia dessa mulher, de 1999, o amigo Sérgio Paulo Rouanet avaliou que Ana Maria lidava bem com narrativas sobre o século 19 e sugeriu um livro sobre Eufrásia Teixeira Leite. Pouco conhecida nos livros de história e totalmente ignorada pela própria autora, Eufrásia namorou o abolicionista Joaquim Nabuco antes que se casasse e tivesse filhos. Era uma mulher emancipada, empresária e dona de autonomia e independência raras para personagens femininas do século 19. Um mapa todo seu narra o romance de Eufrásia e Nabuco. A autora não o classifica como romance histórico, embora a pesquisa em arquivos, documentos e cartas tenha norteado a escrita. ;Tudo que tinha documentação histórica, eu segui. E o que não tinha, em geral, evitei, procurei não incluir no romance;, avisa.
Nos livros de ensaio, a leitura é sempre um tema recorrente. Ganhadora de três prêmios Jabutis e um Hans Christian Andersen pelo conjunto da obra infantil, Ana Maria é uma otimista quando se trata dos caminhos do livro no Brasil. A ex-presidente da Academia Brasileira de Letras acredita que um longo trajeto já foi percorrido, embora ainda haja um bom pedaço de chão pela frente. ;As pessoas leem muito mais hoje. Para começar, estão alfabetizadas. Há duas gerações, a porcentagem de pessoas alfabetizadas era muito menor. A grande maioria do país entra em redes sociais e passa o dia lendo e escrevendo, mandando mensagem;, diz. É preciso entender, ela acredita, que leitores de literatura sempre serão poucos. O importante não é definir a qualidade do que se lê, mas proporcionar o acesso. Somente assim as pessoas poderão saber se gostam ou não de ler. ;Acho que sempre vai ter quem lê e quem não lê. O fato fundamental é que todos tenham oportunidade de saber se querem, de saber se gostam de ler. E essa oportunidade, no Brasil, quem tem que dar é a escola e um sistema de bibliotecas públicas de boa qualidade;, acredita.
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