Alimento para o intelecto, a leitura também é passível de ser encaixada na máxima ;você é o que você come;. Logo, ;você é o que lê;. Com esse pensamento como ponto de partida, os escritores Maria Ribeiro, Gregório Duvivier e Xico Sá sobem hoje ao palco do Teatro Eva Herz, da Livraria Cultura, para falar de livros. Na fala dos autores, a leitura tem lugar privilegiado, mas não é necessariamente algo sério demais.
;A gente não fala da leitura de maneira empostada, sisuda. Hoje em dia, com Instagram e Facebook, ler tem que ser divertido, principalmente para a garotada, essa geração que não sabe o que é a vida analógica e está acostumada à rapidez de WhatsApp. O livro tem que ser arrebatador para chamar a atenção;, acredita Maria Ribeiro, autora de Trinta e oito e meio.
Para o pernambucano Xico Sá, a história de amor com a leitura começou numa situação improvável. Filho de agricultores e nascido no Crato, sertão do Ceará, não estava acostumado a conviver com livros até eles se tornarem objetos de desejo depois da observação atenta de um professor. ;Esse professor viu, pelo meu gosto, que estava diante de um candidato a leitor. Comecei a virar leitor por conta dele;, conta. ;Não era o mundo ideal do livro. Meu pai estudou até o quarto ano primário, minha mãe, até o terceiro. Eram, no máximo, alfabetizados e vinham de famílias nas quais isso era pior ainda. A vida deles era essa, esse universo da pequena agricultura do sertão.;
As leituras começaram pelos clássicos e foi Graciliano Ramos o responsável por ancorar de vez os interesses de Xico Sá no mundo da literatura. Primeiro com Vidas secas, depois com Angústia, o então adolescente ficou fascinado pelo mundo descrito nos romances. Pelos olhos de Sá já haviam passado muitos autores, mas Graciliano trazia uma linguagem diferente, falava de um universo conhecido, de personagens que poderiam ter sido vizinhos da família do jovem leitor. ;Foi minha principal leitura na fase de transição, já virando gente;, lembra. ;Bateu. Porque era meu universo, com aquele estilo seco, com aquelas palavras, aqueles personagens meio brutos. Parecia que eu estava dentro do livro, eu não era personagem, era observador daquilo com meus olhos, não era uma coisa distante, da ficção. É aí que desembesto a virar leitor, já com a decisão de um dia escrever.;
Maria Ribeiro teve uma experiência diferente. Nascida no Rio de Janeiro há 40 anos, ela se tornou leitora depois de conhecer o escritor Orígenes Lessa, autor de clássicos infantojuvenis. ;Ele foi à minha escola e achei incrível aquele cara que criava mundos. Hoje em dia, todas as pesquisas dizem que você cria mais empatia através da leitura, você vai ampliando teu mundo, abre a tua cabeça;, garante a atriz e escritora.
Para cada período da vida, Maria tem um livro importante. E nesse rol, entra de tudo. Ainda menina, aos 12 anos, ela leu O alquimista, de Paulo Coelho, e adorou. ;Acho que os livros dele são para essa faixa etária, tem um erro de alvo aí;, acredita. Depois vieram Machado de Assis, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende, cronistas que ajudariam a autora a adentrar o mundo dos textos curtos. Algumas leituras Maria aponta como marcantes.
Siddhartha, de Herman Hesse, causou um grande impacto, assim como O filho eterno, de Cristovão Tezza. Ainda da turma contemporânea, Maria gosta de Ricardo Lísias e Tati Bernardi. Tudo influencia a escrita da autora, dona de uma coluna na revista TPM. ;O que estou lendo, na maior parte das vezes, influencia minha escrita. Melhor jeito de você ter vontade de escrever é ler;, avisa.
Críticas
Os livros dão o fio da conversa, mas, entre os três convidados, é possível desembarcar em outros temas. Em uma edição do evento realizada em Salvador, a política foi inevitável, assim como as redes sociais. Gregório Duvivier, autor de Percatempos: tudo o que faço quando não sei o que fazer, contou que costuma fugir da internet depois que posta os textos e comentários. Ficava mal com as críticas e com as reações dos haters até decidir não ler mais nada, nem as reações positivas, nem as negativas.
Muito ativo nas redes sociais com comentários sobre a política nacional, Xico Sá é um otimista. ;A gente nunca discutiu tanta política como se discute hoje. Tem gente que acha que é um ambiente só de ódio. Não acho. Acho muito saudável que esteja todo mundo discutindo política com passionalidade. Isso educa minimamente o debate;, diz o autor de Big Jato e Os machões dançaram.
Para Maria Ribeiro, falar de livros nunca é demais em um país de poucos leitores (a média é de 1,7 livro por ano). ;As vendas de livros estão caindo. As pessoas leem pouco. E a gente só vai ver mais pra frente se a troca de mensagens do WhatsApp é boa ou ruim. Eu, particularmente, acho que é bom, a gente escreve mais. Tenho trocas de WhatsApp absolutamente literárias. Mas acho que a gente precisa estimular. Não adianta falar que a leitura no Brasil é ruim sem falar da escola. E educação no país está uma tragédia;, aponta Maria.
Você é o que lê
Bate-papo com os escritores Maria Ribeiro, Xico Sá e Gregório Duvivier. Hoje, às 19h, no Teatro Eva Herz da Livraria Cultura (Shopping Iguatemi). Entrada franca mediante retirada de ingressos.