Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

A arte se debruça sobre o amor no século 21

O Correio analisa como as manifestações artísticas retratam o romance em uma época em que a tecnologia se torna cada vez mais mediadora das relações pessoais


Dependendo da crença, ideologia ou do ;status de relacionamento;, o Dia dos Namorados assume diferentes significados para diferentes pessoas. Enquanto para uns a data é apenas mais um projeto capitalista criado para lucrar em cima dos sentimentos e vulnerabilidades dos consumidores, para outros é uma oportunidade perfeita para demonstrar amor, afeto, carinho ou, simplesmente, atração pelo parceiro(a).

Tais demonstrações podem vir por meio das tradicionais flores e cartões. Ou, ainda, por meio de hashtags, emojis, curtidas e dos caracteres ;S; e ;2;, atuais representantes do coração. Tais novidades, trazidas pelos avanços (?) no campo da tecnologia, chegaram para reafirmar que se, antes, não havia uma só forma de amar, atualmente, a pluralidade na forma e objeto das afeições é ainda mais flagrante, tornando-se uma das marcas registradas do sentimento no século 21.

A arte, como grande cronista do comportamento humano, não poderia deixar de incorporar em suas diferentes manifestações as mudanças na forma de se relacionar e amar que têm acontecido nos últimos anos. Neste atual Dia dos Namorados, em meio a discussões sobre empoderamento feminino, identidade, igualdade de gêneros, poliamor e respeito aos limites do próximo, o Correio analisa como o cinema, a música, a literatura e as artes cênicas e visuais têm incorporado e retratado esse sentimento tão complexo e essencial para a existência em seus produtos atuais, especialmente em comparação com o passado. Confira!


MÚSICA

Convivência pacífica

; Samir Mendes

O site Superdrug Online Doctor publicou, em 2014, um estudo no qual analisou a ocorrência de palavras relacionadas a ;amor; e ;sexo; na música pop. A conclusão, tirada a partir da análise das paradas da Billboard de 1960 a 2014, é a esperada: enquanto menções ao ;amor; e ao ;romance; eram a norma nos anos 1960 e encontraram o seu auge no fim dos anos 1980, a partir dos anos 1990, assuntos mais, digamos, libidinosos, passaram a encontrar uma curva ascendente no mainstream pop. ;Com o maior uso da mídia em smartphones e mp3 players, além da crescente representação da sexualidade na cultura popular, os ouvintes estão cada vez mais expostos a discussões sobre sexo;, observaram os responsáveis pelo estudo na página oficial (onlinedoctor.superdrug.com/sex-and-love-on-the-charts/).

Apesar de Justin Bieber pedir para o affair ;amar a si próprio; e Wesley Safadão distribuir o título de ;pior mulher do mundo; enquanto toma Ciroc no camarote, nada disso significa (ainda) que o romance tenha sido (completamente) jogado para escanteio. O próprio estudo do Superdrug Online Doctor apresenta um dado que ilustra bem tal situação: nos anos em que tiveram mais menções, assuntos relacionados a sexo tiveram um auge de 1.500 ocorrências, já o bom e velho amor, em comparação, teve 25 mil.

Ou seja, sexo, de fato, é um grande chamariz para vendas, mas o amor ; apesar de parecer que as rádios estão dominadas por músicas sobre baladas e relacionamentos fugazes ; permanece vivo e popular na música. O sucesso das declaraões românticas de artistas como Tiago Iorc, Marcelo Jeneci e do britânico Ed Sheeran ; o artista mais tocado no Spotify em toda a história da plataforma ; prova que a presença do romance na música, independentemente da época ou da tecnologia, é muito mais que um lance.


CINEMA

Diversidade nas telonas

; Ricardo Daehn

E lá se são 30 anos desde a publicação de O amor nos tempos do cólera, romance adaptado para as telas de cinema, e que sobrepunha um amor ; praticamente espiritual, pela ausência de contato entre os protagonistas ; à severidade de um pai enciumado que sabotava um caso limitado a bilhetes de amor. Por quase 50 anos, no romance de Gabriel Garcia Márquez, o casal se aguarda. Nos séculos 20 e 21, amor e cinema vem, num crescente, se afinando. Chega a ser exato, e aperfeiçoado, como em Ela (2014), com a binária relação virtual entre Joaquin Phoenix e Scarlett Johansson.

O carnal, quando não prevalece, ao menos se radicaliza nas representações amorosas atuais. Que o diga o franco-belga Love, de Gaspar Noé, que fez explodir o sexo, em percepção 3D. Didaticamente, o cinema brasileiro já brincou com fitas de romance, vide exemplos como os de Como fazer um filme de amor (2004) e as sagas de Pequeno dicionário amoroso (1997).

Na torrente de traumas acoplados ao amor, sentimentos explorados nos filmes de Lars von Trier renderiam infindáveis teses, diante de filmes como Anticristo (2009) e Melancolia (2011). Claro que, numa olhadela na programação de cinema atual, se percebe a sequência do amor idealizado e da obsessão pela obrigação de ser feliz, impostas em títulos derivados dos açucarados escritos de Nicholas Sparks.

Suplantando estereótipos, até namoradinhas da América, como Katherine Heigl, vista no inocente Vestida para casar (2008), hoje em dia, se joga numa trama lésbica, em Casamento de verdade. Sinal dos tempos e de aceitações, sob aberturas cavadas com filmes do porte de Azul é a cor mais quente e do também francês Um belo verão ; sensual e libertário, em sessões especiais na cidade.

LITERATURA

Não sai de moda

; Nahima Maciel

O amor não sai de moda na literatura, mas a maneira como aparece muda bastante quando se trata do século 21. Para o poeta gaúcho Fabrício Carpinejar, essa mudança é consequência de como os homens vivem o amor nos tempos atuais. ;Hoje, com as novas estruturas familiares e a exposição extremada dos relacionamentos, você tem que ser fiel e leal nos aplicativos e o amor nunca esteve tão em evidência. É muito fácil se casar, basta um clique, e é muito fácil se separar, basta excluir a pessoa;, diz o poeta.

A escritora Claudia Tajes, autora de Mulher de fases e A vida sexual da mulher feia, acredita que o amor não vai sair de moda nunca. ;O que a gente vê agora são as inovações diante do par romântico clássico;, explica. ;Não mais só uma mulher e um homem. O amor não precisa mais, felizmente, se limitar a gênero ou número ou o que seja. Na literatura e na vida.; O romantismo do século 21, Claudia defende, é outro. Hoje, há menos idealização, embora o amor seja sempre complicado. ;Por isso rende tanto escrever sobre ele;, diz. Para André de Leones, que participou do projeto Amores Expressos (que enviou autores a várias cidades para escrever histórias de amor), os conflitos básicos do cotidiano não mudaram e os grandes temas da literatura serão sempre constantes. A diferença hoje é a maneira como as pessoas se conhecem e se relacionam. ;A tecnologia trouxe outros meios para se chegar ao outro e se relacionar com ele. Hoje, por exemplo, há casais que se conhecem via redes sociais e coisas do tipo. É claro que essas mudanças influenciam na dinâmica dos relacionamentos e no modo como eles são enfocados pela literatura, mas, por outro lado, os conflitos básicos (ciúmes, traições, responsabilidades, comprometimento ou falta de) permanecem os mesmos;, acredita.

Autor de Amar é crime, Marcelino Freire fala em um amor vagabundo. Graças às redes sociais, as pessoas se declaram e se expõem mais. E são, também, mais superficiais. ;Hoje o amor é mais viril, mais imediato. O amor é mais na lata. Seria, por isso, superficial? Não creio. Um amor que durou 50 anos, 40 anos dele são superficiais. O sentimento agora é mais intenso. E múltiplo. E vagabundo. Só acredito, agora, no amor vagabundo. Somos cachorros virtuais. Vira-latas. O amor de nosso século é vira-lata;, garante o escritor.

TEATRO

Diversidade em cena

; Diego Ponce de Leon

Antes de falarmos em ;amor no século 21;, precisamos falar sobre o teatro no século 21. Em termos de visibilidade e de apelo público, o dito teatro comercial vive melhores dias que o teatro alternativo, de grupo, de assinatura. Há uma série de questões a serem observadas nessa premissa, mas cabe aqui, de forma sintética, apontarmos que o caráter comercial dessas produções implica necessariamente em censuras, adequações e diretrizes que precisam ser seguidas à risca.

A liberdade de criação e expressão, valor máximo do teatro, padece diante dos patrocínios que, claro, não desembarcam munidos do desejo de fomentar a arte cênica, mas de levar adiante determinados temas. Muitas vezes, por uma questão de sobrevivência financeira, não há para onde correr.

Sobra, portanto, o teatro independente. Por regra, não será visto por uma numerosa plateia, dificilmente cairá na estrada ou reverberá na imprensa. Mas, goza de um privilégio: autonomia. No teatro independente, esbarramos, agora finalmente, com um reflexo legítimo e irrepreensível do ;amor no século 21;. Amor que vem em forma de trio, que surge entre o mesmo gênero, que transgride os padrões sexuais instaurados por uma cultura ainda moralista.

Aqueles interessados em conhecer as mais diversas possibilidades do amor e a pluralidade do sentimento que comove desde Shakespeare a Zé Celso, devem evitar os concorridos espetáculos sobre Elis, Tim Maia, Cazuza, ou ainda as comédias em pé voltadas ao entretenimento. Prefira o alternativo e o mambembe. Não se trata, de forma alguma, em desmerecer um gênero em detrimento de outro. Trata-se de ampliar o leque. Nem só de amor romântico e simplório vivemos. Há um teatro disposto a questionar esse paradigma. De vez em quando, vale largar o idealismo e se permitir uma dose de realidade.

CULTURA POP

Participação dos fãs

; Alexandre de Paula / Especial para o Correio

Que a tecnologia derrubou algumas barreiras ninguém duvida. E, na cultura pop, o amor derrubou alguns muros pela voz dos fãs (amplificada pelos recursos digitais). Se antes manifestar descontentamento ou paixão por histórias e personagens com grande repercussão era difícil, hoje, com a tecnologia, os admiradores têm um canal quase que direto capaz de influenciar rapidamente os rumos de uma produção.

Um namorado para o Capitão América seria algo difícil de se cogitar anos atrás, mas passou a ser uma possibilidade mais sólida depois que milhares de fãs se manifestaram, pela internet, pedindo que herói ganhasse um parceiro, digamos, mais próximo. Chamado de fanship, o movimento em que fãs se posicionam a favor ou contra um casal na cultura pop ganhou força nos últimos anos. Visto algumas vezes como um movimento bobo, o fanship foi a maneira que fãs encontraram para apoiar o amor sem preconceitos e condenar relacionamentos construídos de maneira violenta. Grupos de discussão sobre a personagem Jessica Jones, por exemplo, abordaram a temática do relacionamento abusivo.

Com mais impacto, fãs também criticaram o excesso de cenas de estupro na série Game of thrones (que não existiam nos livros). As manifestações chegaram aos diretores, que afirmaram que tomariam mais cuidado com a maneira que a temática aparece.


ARTES PLÁSTICAS / VISUAIS

Metáforas e símbolos

; Nahima Maciel

Já houve eras na história da arte nas quais a representação do amor era tema essencial e explícito. O século 21, no entanto, é mais contido. ;Há uma discussão do erótico na arte do século 21, mas ela é sempre parcial, no detalhe. Acho que passa por uma coisa do que é que se torna objeto da arte. A relação pode comparecer como parte do cotidiano num recorte delicado, mas é o mínimo do cotidiano que vai aparecer como matéria;, acredita a crítica e curadora Marília Panitz.

O amor estaria presente, mas de forma mais velada e discreta, longe das representações, ainda que artistas como Marina Abramovic e Sophie Calle tenham dedicado boa parte de seus trabalhos a falar do outro na condição amorosa. Para o pintor Taigo Meireles, a representação do amor no século 21 pode ser impossível, mas o sentimento está presente. ;É um gesto que o simboliza. Toda a arte tenta alcançar essa coisa que é o amor, cria uma metáfora, metaforiza a coisa toda;, garante o artista, que enxerga no amor uma motivação para produzir.