Ela conhece o metiê como poucos. Talvez, não há quem compreenda melhor o palco do que Bibi Ferreira. Embora, ela própria dê outra resposta: ;Nunca houve alguém como Dulcina de Moraes;. E, por conta do apreço e afeto pela amiga de longa data, Bibi escolheu a Faculdade de Artes Dulcina de Moraes ; fundada, erguida e promovida por Dulcina ; para receber a imprensa antes de uma apresentação no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, agendada para o dia seguinte.
O difícil acesso ao prédio, localizado no Conic, provocou uma mudança repentina de planos e Bibi se viu obrigada a receber os jornalistas no hotel onde estava hospedada. Inicialmente, o Correio teria a oportunidade de uma longa conversa com a atriz e diretora, após a coletiva, mas, em virtude das dificuldades apresentadas, o tempo acabou reduzido. Ainda assim, a artista manteve o compromisso e recebeu a reportagem para uma conversa exclusiva, publicada hoje, quando se celebram os 94 anos daquela considerada nome máximo da dramaturgia nacional.
A única a se aproximar de reverência similar seria Fernanda Montenegro, mas ela mesmo, em entrevista ao Correio, não hesitou: ;Bibi Ferreira é hors concours!”. E, de fato, estamos diante de uma unanimidade. Seria possível traçar um histórico do teatro brasileiro a partir da carreira de Abigail Izquierdo Ferreira, que, desde o nascimento, encara os palcos, onde se tornou simplesmente ;Bibi;.
Seja cantando Piaf ou dirigindo Walmor Chagas e Marília Pêra, Bibi Ferreira personifica o melhor da cultura nacional. No Distrito Federal, ela também escreveu importante capítulo nas artes cênicas da cidade ao arrebatar o público brasilense com o espetáculo Gota D;água, de Chico Buarque e Paulo Pontes. E não era uma apresentação qualquer. Foi a inauguração do Teatro Dulcina. Saiu de lá ovacionada pela plateia e pela melhor amiga.
>> Entrevista // Bibi Ferreira
No momento atual, o teatro continua sendo uma ferramenta de debate importante?
O teatro é o maior meio de comunicação de todos os tempos. Desde os festivais dionisíacos até os dias atuais. O teatro tem o papel de comunicar a verdade ao povo.
Uma pena que não pôde visitar o teatro Dulcina, no Conic...
Mas podemos falar dela agora, aqui mesmo. O importante é falarmos dela.
Pois nos conte um pouco dessa amizade...
Dulcina é a pessoa mais importante do teatro brasileiro, na história. Uma mulher que, durante toda a vida, defendeu um repertório de nível muito alto. Um trabalho impressionante de interpretação e direção teatral. Grande diretora, grande diretora, grande atriz, grande esposa e grande comadre. Ela é a madrinha de minha filha. Eu adoro Dulcina por ter sido sempre a mesma pessoa, na inteligência e na postura. Elegantíssima. Ela tinha uma bela altura. Ficava maravilhosa em qualquer figurino que usasse em cena. Ela adorava aquelas lantejoulas, aqueles vidrilhos, mas que brilhavam menos que a própria Dulcina. Maravilhosa. Guardo-a em meu coração, em um lugar bem especial. Como comadre, como amiga e, principalmente, como artista, tendo contribuído, entre tantas outras coisas, entregando um teatro muito bonito para Brasília.
O Teatro Dulcina está precário, assim como o Teatro Nacional, fechado para reformas. Dois palcos que te receberam tantas vezes. Como reagiu ao saber desse panorama?
Isso depende das pessoas que estão administrando, que cuidam desse cenário. Talvez, dar espaço para quem, de fato, queira reverter essa situação. Agora, sei que não é nada fácil. Precisa ver quem responde pelos prédios, a quem pertence a iniciativa das ações. Eu não estou aqui, então não posso melhor saber o que se passa. Seria um crime acabar com teatros feitos com tanto sacrifício e beleza.
Piaf, Amália, Sinatra... Há algum outro repertório que gostaria de defender integralmente nos palcos?
Sim, Carlos Gardel. Cantei todos eles, e vou cantar tantos outros ainda.
A vontade de encarar a plateia permanece intacta?
Sim! E estou bem. Estou bem das pernas, da voz, a vida está boa. A memória, que é o principal, funciona muito bem.
As pessoas costumam te colocam em um patamar inatingível. Como é o dia a dia de Bibi Ferreira?
(risos) Meu cotiano é muito simples. Eu acordo, tomo café com leite, sem pão. Depois, mais tarde, a fome aparece e como um pão com manteiga. De vez em quando, um polenguinho. Nunca como muito nas refeições. Gosto de uma sopa, um caldo verde. Neste aniversário de 94 anos, vou dar uma festinha lá em casa. Vou servir um caldo às seis da tarde, com toda espécie de torrada e pães gostosos. Vai ser divertido. Enquanto puder, estou celebrando.