"Temos o mesmo cheiro de terra, esse mesmo cheiro que ele gosta e eu também gosto.; É assim ; ao telefone, com fala cadenciada e coberta de poesia, mesmo na correria das ruas de Goiânia, cidade onde mora ; que o compositor tocantinense Juraildes da Cruz explica a ligação entre ele e o baiano Xangai. Os dois se apresentam hoje e amanhã, no Teatro dos Bancários, às 21h, para celebrar a parceria.
Foi no fim da década de 1980 que a relação entre o baiano Xangai e o tocantinense Juraildes da Cruz começou. Depois de assistir a uma apresentação de Juraildes no programa Som Brasil (apresentado por Rolando Boldrin), Xangai o procurou e o convidou para participar de apresentação sua em Goiânia. ;Isso foi em 1987, ele conseguiu meu contato com a produção do programa e me ligou com o convite;, lembra Juraíldes. Os dois, compositores ligados à tradição da música regional brasileira, acabaram se tornando parceiros em mais dezenas de shows e registraram em discos a união que juntou a poética sertaneja dos artistas. ;A gente se identifica muito por essa brasilidade, temos uma visão de mundo musicalmente parecidas;, comenta o cantor.
;Eu sou encantado com a obra do Juraildes, ele está entre um dos maiores compositores do Brasil, é sempre uma maravilha tocar com ele;, conta Xangai. Para o músico, a função do artista no palco é apresentar o belo, a poesia, algo que toque o público e seja capaz de fazê-lo se entreter e se divertir. ;Eu tenho sempre a sensação de que eu tenho que levar para quem está ali algo de bom, algo que seja sentido pelo público.;
Esse desejo é outro ponto de identificação entre os artistas, acredita Xangai. ;Juraildes faz exatamente isso, é uma obra do mais alto gabarito, com humor, com ensinamentos, que faz refletir, pensar; E Juraildes concorda: ;A gente se identifica pela poesia que caminha nessa direção. Uma música que quer trazer alguma coisa, que possa somar à vida de alguém. Com alegria, que possa sinalizar, dar rumo, dar direção.;
No palco, os dois preferem fugir da preparação antecipada, registrada em scripts minuciosos. ;A gente sobe no palco e lá se entende. É um bate-bola, eu passo para ele, ele devolve;, revela Juraildes. Xangai explica que quase nunca se apresenta com roteiro do que vai fazer. ;Eu nunca entrei no palco com tudo planejado. Eu gosto da mobilidade, da plasticidade que a apresentação nos oferece, a interação com o público;, comenta.
O baiano ressalta a alegria de tocar mais uma vez em Brasília, cidade que, segundo o cantor, primeiro reconheceu o valor de seu trabalho. ;Brasília é o lugar que primeiro me deu um valor que eu nem sabia que tinha. Foi a cidade que confirmou: ;Poxa, estou fazendo algo de bom;. E é sempre um público maravilhoso;, recorda.
Rotulado, muitas vezes, como músico regional, Juraildes conta que o rótulo o incomodava no princípio. ;Eu ficava me achando diminuído quando alguém dizia que meu trabalho era regional, mais aí fui ver que dentro do trabalho considerado regional havia a antropologia, a filosofia, era muito mais do que apenas cantar;, comenta.
Para ele, a música que fazem é, sim, regional, mas também universal. ;É um trabalho ;regiouniversalizado; no básico da existência, da emoção, do amor, da natureza;, acredita. Na visão do compositor, a temática abordada por ele está longe de ser esgotada. ;O tema que me inspira é inesgotável, porque falo da natureza, da situação social. Eu tenho uma posição crítica no que diz respeito à vida política, à condição do homem dentro da sociedade, da forma como são distribuídas as oportunidades;, explica.