Cannes (França) ; Sinônimo vivo para a palavra ;alternativo; na cartilha do cinema americano, em que se tornou um ícone da liberdade autoral ao estrear na direção com Férias permanentes, em 1980, Jim Jarmusch assina o filme-sensação do 69; Festival de Cannes (até 22 de maio) na disputa pela Palma de Ouro de 2016: a ;dramédia; Paterson, que tem feito dele um alvo de elogios rasgados desde sua primeira projeção, na tarde de domingo.
[SAIBAMAIS]
O protagonista é Adam Driver (o neto de Darth Vader em Star wars ; Episódio VII: O despertar da Força, no papel do vilão Kylo Ren), que vem sendo apontado como favorito ao prêmio de melhor ator em Cannes na pele de um motorista de ônibus com uma vida pacata, que usa as horas livres para escrever poemas ; alguns bem sofisticados. O projeto foi editado pelo montador paulista Affonso Gonçalves (de Carol e da série True detective). O boca a boca em torno da produção resgatou a mítica de que o cineasta de 63 anos ; famoso desde jovem por sua cabeleira e suas costeletas esbranquiçadas ; desfrutava nos anos 1980 e 1990.
Longas como Daunbailó (1986), Uma noite sobre a Terra (1991) e Ghost dog (1999) deram a ele prêmios, fama e a reputação de ser um oásis de resistência poética em sua pátria, dominada por Hollywood. Não por acaso ele tem mais um longa na seleção de Cannes deste ano, o documentário Gimme dancer, sobre o cantor Iggy Pop e a banda The Stooges, em projeção hors-concours. Mas os tempos não andam fáceis para quem navega pelas águas da independência (dos desígnios dos estúdios) como Jarmusch. Nesta entrevista, o realizador de Amantes eternos (2013) e Flores partidas (2005) avalia o que mudou no cinema.
Entrevista / Jarmusch
Grife criativa na teledramaturgia para a web, o Amazon Studios produz e distribui Paterson, alinhando seu novo longa-metragem de ficção com uma linhagem de projetos que tem na TV uma parceira. O quanto esse modelo sinaliza uma mudança no perfil do cinema contemporâneo?
Desde a minha estreia, na década de 1980, as formas de financiamento do cinema mudaram muito, sem necessariamente ter trazido melhoras para quem cultiva uma identidade própria como realizador. A Amazon abriu um caminho interessante, assim como produtoras da Europa como a Le Pacte, com quem fiz Amantes eternos, em 2013. Mas uma coisa permaneceu igual: apesar de você ter hoje diferentes plataformas nas quais pode assistir a filmes, essa oferta não acabou com a experiência de se consumir dramaturgia numa sala escura, cercado de estranhos, compartilhando um olhar estético. Talvez eu seja um dinossauro romântico que vê as coisas dessa forma. Mas ainda vou ao cinema e vejo muita gente do meu lado.
E o que o senhor tem visto de melhor nos cinemas?
Tenho prazer em correr atrás de filmes do mundo inteiro, sobretudo africanos e asiáticos, nos quais percebo uma nova geração muito inspirada buscando novos caminhos narrativos. Tem gente nova e boa também no cinema dos Estados Unidos. Mas sou alguém que vê filmes antigos, mudos, em preto e branco. Há até uma sequência de Paterson na qual ele e a mulher (vivida pela atriz iraniana Golshifteh Farahani) vão ao cinema para uma sessão de um velho filme de horror antigo: Island of Lost Souls, de 1932, com Charles Laughton. Adoro filmes de gênero: terror, policial, ficção cientifica. Vejo de tudo.
E do Brasil, o que o senhor vê?
Vejo o Affonso (Gonçalves, montador), que é um sujeito de olhos mágicos e de mãos ligeiras. Criamos uma sintonia criativa fina desde que nos conhecemos, quando eu precisava de um montador para Amantes eternos. Na ocasião, eu precisava de um editor e o Todd Haynes, que havia trabalhado com o Affonso em Mildred pierce, me recomendou seu trabalho. Foi um acerto para mim, e fizemos ainda o Gimme dancer juntos.
O que existe de interseção entre o documentário sobre Iggy Pop e Paterson, uma vez que os dois foram gerados juntos?
No fundo, ambos são histórias sobre poetas que lutam para ser os senhores de seus destinos, decidindo os rumos de suas próprias vidas e trilhas criativas. Ambos são celebrações da liberdade e da poesia como linguagem. Paterson tem um elemento específico: o filme e seu protagonista são xarás de uma cidade americana com perfil bem industrial, pela qual passaram grandes poetas. William Carlos Williams, a quem eu cito com mais destaque, escreveu sobre Paterson.
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