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Lançado há 60 anos, Grande sertão: veredas segue no topo de Guimarães Rosa

Clássico do escritor mineiro lançado em 1956 , Grande Sertão obra segue viva

Alexandre de Paula
postado em 16/05/2016 07:00

Clássico do escritor mineiro lançado em 1956 , Grande Sertão obra segue viva

Nonada. Letras que o senhor leu foram de livro velho não, Deus esteja. 60 anos, mas ainda moço, que ;um rio é sempre sem antiguidade;. Tempo longe, 1956. O homem de gravatinha causava espanto. Livro tão grande. De um nunca visto jeito. Estranho, difícil, pois ;tudo que é bonito é absurdo;. Ficção, mentira? Pois seja, desimporta. O real mora é nos detalhes e João Guimarães Rosa viveu a aridez do sertão para encontrar a voz de Riobaldo. Já é 2016, Sêo João Rosa já se foi para o desconhecido faz anos (muitos), se foi lá para onde o Diabo não tem vez, nem voz. A dor de Riobaldo por Diadorim no Grande Sertão: Veredas já chega a seis décadas, ainda viva, ainda forte.

;Toda saudade é uma espécie de velhice;, escreveu Rosa. Clássico da literatura brasileira publicado em maio de 1956, o único romance do escritor chega aos 60 anos em 2016 e faz, sim, ter saudades do autor, mas continua com a força de um jovem. ;Grande sertão ainda é muito atual porque essa trilha que Rosa desbravou foi muito mais estudada por antropólogos do que por meio da literatura;, explica a professora da PUC-RJ Marília Rothier, especialista na obra do escritor.

O sertão das veredas e chapadões de Rosa representa um marco na literatura brasileira, segundo Marília, também porque renovou a temática (salvo exceções como Vidas secas, de Graciliano Ramos) abordada pelos romances nacionais até a década de 1950. ;Era tudo muito voltado para população urbana, para um gosto cosmopolita. Grande sertão vai trazer não só personagens de um outro mundo, do interior, mas também a voz de trabalhadores, de pessoas que não tinham lugar na literatura brasileira antes;, explica.

Para esclarecer, ela faz uma comparação entre a literatura produzida por Rosa e a feita por Jorge Amado. ;Se na obra de Jorge Amado você tem uma visão folclórica dessas pessoas, no Grande sertão elas aparecem com sentimentos complexos, que se imagina que pessoas assim não possam ter;, explica. Riobaldo, narrador do livro, ganha ares de filósofo, mesmo sem ter títulos e honrarias acadêmicas.

Sobre isso, o próprio Guimarães confessou em uma entrevista concedida em 1965: ;Quando algo não me fica claro, não vou conversar com algum douto professor, e sim com algum dos velhos vaqueiros de Minas Gerais, que são todos homens atilados;, afirmou. Riobaldo, dizendo de si, confirma: ;Eu sou é eu mesmo. Divêrjo de todo o mundo...Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. O senhor concedendo, eu digo: para pensar longe, sou cão mestre;.

Paredão

O senhor não estranhe, que a língua do livro é língua de gente. De um povo matuto, que fala. Pois ouça, mire e veja as palavras soando no ar; E diga se isso não é coisa que muito já ouviu. Pode ser que amedronte no começo, mas o leitor logo se acostuma, garante a professora Marília Rothier. ;A linguagem do livro, se a pessoa experimentar ler como se ela estivesse falando, depois da décima página não vai apresentar mais nenhuma dificuldade;, assegura.

A dificuldade atribuída ao livro talvez esteja mais na densidade e na extensão, segundo a especialista. ;A narrativa não é tão complicada, embora não siga uma linha cronológica. Mas, claro, é um livro longo, é para um leitor que tenha paciência.;

Já o professor Wander Lourenço ; doutor em letras pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor de O enigma de Diadorim (sobre o Grande sertão) ; acredita que o livro apresenta, sim, uma dificuldade de leitura imensa: ;Isso porque a narração se avulta a ultrapassar os parâmetros de um código de regras linguísticas pelo viés de desvios gramaticais de toda sorte, com arcaísmos, onomatopeias, neologismos etc.;, explica Lourenço. Além disso, ele aponta a tentativa de formar a oralidade da conversa entre um jagunço e um leitor com ;credenciais acadêmicas; mais altas. ;Tudo isso permeia a proposição de se forjar a afluência de uma oralidade orquestrada, de um jagunço-narrador que inveja a ;suma doutoração; de seu leitor-ouvinte;, completa.

Invenção da língua

Além de incorporar a fala característica dos sertanejos, a linguagem de Guimarães Rosa explora elementos da sintaxe e assimila padrões de outras línguas. ;Ele anotava tudo que ouvia e depois datilografava isso já selecionando o que interessava para literatura e modificando a partir de técnicas literárias, brincando com a sintaxe e com outras línguas;, conta Marília.

O professor, no entanto, ressalta o espanto que a grandeza da escrita de Rosa pode causar. ;Confesso que, quando me deparei com aquela extraordinária invenção da escrita não imaginava que um autor, um ser humano, fosse capaz de escrever com uma espécie de vara de condão, porque Rosa subverte o idioma de tal feita que o encantatório e sublime se rendem ao seu discurso-feitiço;, conta.

60 anos depois, por sorte, ;a morte é para os que morrem; e, para os leitores, o Grande sertão de Rosa continua aí, em travessia.

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