Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Saiba mais sobre o ícone dos quadrinhos Rbert Crumb

Conhecido pelas visões sarcásticas e obscenas, o americano é ícone da contracultura e fã de Noel Rosa

Que as mulheres mexem com Robert Crumb é algo que ninguém pode duvidar. Basta olhar alguns desenhos do cartunista norte-americano de 72 anos para entender que o corpo feminino ; em suas expressões mais exuberantes ; povoam a mente (para alguns) pervertida de um dos nomes mais importantes da história dos quadrinhos. São elas, as mulheres (ainda retratadas em tons exagerados, mas cheias de poder), o tema do mais recente trabalho do autor: Art & beauty (Arte e Beleza). Distantes dos ideais de beleza pré-definidos, as moças de Crumb ocupam as paredes da galeria David Zwirner em Londres e as páginas de um álbum, que reúne três edições da revista com o mesmo nome publicada pela primeira vez em 1996.

A mais recente edição de Art & beauty, lançada agora, traz figuras icônicas, como a tenista Serena Williams e Kim Kardashian. Mas não são só os corpos de famosas damas que mexem com a cabeça do polêmico e cultuado cartunista, mulheres anônimas também aparecem retratadas com o traço característico e obsceno de Crumb. Por que retratá-las e por que assim? Ele esboçou uma resposta em conversa recente (e rara) com o jornal britânico The Guardian sobre a exposição: ;Eu sempre fui ao contrário. Minha esposa diz que às vezes eu sou muito assim ; que nasci estranho. Sempre senti que havia algo diferente no meu sistema nervoso. Se todo mundo está andando para a frente, eu quero andar para trás;, disse.

Avesso a entrevistas ou fotografias, Crumb deve ficar mais um bom tempo sem falar com a imprensa depois de um episódio recente com o jornal americano The Observer. Uma entrevista concedida por ele gerou um artigo negativo em que foi acusado de antissemitismo, entre outras críticas. ;Depois dessa experiência ruim, que foi um desastre, eu não acho que ele vá conceder outra entrevista por um longo, longo tempo;, disse Alexander Wood, responsável pelo site oficial de Crumb, ao pedido de que o ícone da contracultura respondesse algumas perguntas ao Correio, por e-mail.

Cartas

De todo modo, ele mesmo não poderia enviar as respostas por meio eletrônico, já que nem sequer sabe ligar um computador; Mas, isso quem conta é o quadrinista brasileiro Camilo Solano, que troca cartas com o cartunista desde que o conheceu, em 2010, na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).

Com a oportunidade de ver o ídolo de perto, Solano, à época universitário e sem dinheiro, pediu que a mãe o levasse ao evento para tentar encontrá-lo. A estadia de Crumb na cidade fazia jus à fama de mal-humorado. ;Ele não estava falando com ninguém. Estava incomodado com a imprensa;, lembra Solano. Mas não custava tentar.

Depois de descobrir a pousada em que Crumb estava hospedado, Solano pediu a uma funcionária que colocasse um bilhete na porta do quadrinista. ;A gente dizia que tinha viajado mais de oito horas para vê-lo, que queria só conversar;, lembra. A estratégia funcionou. Três minutos depois, Robert Crumb estava lá, disposto a bater um papo com eles.

Desde então, o brasileiro segue trocando cartas com o ídolo em que falam principalmente sobre música brasileira antiga. Crumb adora Noel Rosa e Chiquinha Gonzaga, conta Solano, e coleciona discos de vinil de 78 rotações. ;Conversamos muito sobre música, quadrinhos e arte. Eu envio alguns desenhos e ele já me mandou alguns originais.;

;Empolgante;

Foi numa dessas cartas que Solano recebeu um prefácio para a sua última HQ, Desengano. Depois de ter o sonho de uma apresentação escrita por Chico Buarque descartado pela assessoria do cantor, Camilo enviou uma versão traduzida do livro para o amigo célebre. Um mês depois, recebeu de volta um texto que começava assim: ;Tem uma energia nova, criativa e empolgante florescendo no Brasil atualmente, e essa energia fervilha em cada página deste quadrinho existencial feito pelo jovem e promissor Camilo Solano;.

;Crumb é a minha maior influência. É por causa dele que faço quadrinhos. Até agora é difícil acreditar que tenho um prefácio escrito por ele;, diz Solano. Ele compara a luta de Crumb para se publicar, na raça, nos anos 1960 ao momento atual do quadrinho brasileiro. ;Eu acredito que ele é o maior autor vivo de quadrinhos, a realidade de fazer quadrinhos independentes em São Francisco é parecida com a nossa hoje aqui.;

Um dos mais reconhecidos quadrinistas da história, Crumb começou sua carreira na década de 1960 desafiando, com a publicação de revistas como a icônica ZAP, os valores conservadores da sociedade norte-americana. Falando com sarcasmo e humor sobre temas como violência, drogas, sexo e incesto, o quadrinista se tornou o pai dos quadrinhos underground e umas das figuras mais provocadoras da arte americana. Durante a carreira, Crumb editou mais de 200 fanzines.

Duas perguntas // Camilo Solano

O que você acredita que levou Crumb a conversar com vocês na Flip?

O que eu acho que realmente aconteceu é que a gente o tratou como uma pessoa normal. As pessoas às vezes faltam com respeito, tinham fãs com posteres da Mulher Melancia, com uma abordagem totalmente desrespeitosa. Ele já é um senhor. As pessoas acham que ele é ainda aquele maluco de quando começou. Ele é doido para caramba ainda, mas não é mais aquele cara.

Qual a influência dele no seu trabalho?

Crumb é a minha maior influência. É por causa dele que faço quadrinho. Muito mais no desenho do que a narrativa, mas gosto da narrativa dele também. Em quase tudo que eu faço, existe a influência direta dele junto com o meu gosto por música, poesia e literatura.