Lenda viva do cinema internacional, o iraniano Abbas Kiarostami já foi vencedor da Palma de Ouro em Cannes, ganhador do Leão de Honra (no suíço evento de Locarno, pelo conjunto da obra) e distinguido pelo grande prêmio especial do júri no Festival de Veneza. Aos 75 anos, ele guarda, em importância, a estatura do cinema dos compatriotas Jafar Panahi (Taxi) e Mohsen Makhmalbaf (A caminho de Kandahar). Boa porta de acesso para sondar o cinema de Kiarostami ; que, em Brasília, ganha, a partir de hoje, exibição de 29 obras, no CCBB ; está em O viajante, longa em preto e branco, filmado em 1974. No filme, os brasileiros podem absorver a temática do futebol, virtualmente, foco central da trama.
;O futebol funciona mais como uma desculpa para mostrar um sonho maior do personagem principal, o aficionado e jovem Ghassen. Quer ir para a capital, Teerã, atrás do time nacional. A sociedade iraniana é sim apaixonada pelo futebol, e isso tem uma grande força; mas o filme trata mais de limites para a realização de sonhos;, explica Fábio Savino, o curador da mostra intitulada Um filme, cem histórias: Abbas Kiarostami.
Raridades inseridas na programação revelam o início da carreira do diretor, como A experiência (o primeiro longa, criado em 1973) e O pão e o beco (um curta de 1970). ;São filmes de quando Abbas ainda trabalhava no Kannon (Instituto para o Desenvolvimento das Crianças e dos Adolescentes, no Irã). Nos títulos, está o germe de elementos que atravessam toda a filmografia do diretor;, comenta Savino. Temas como a prostituição (em Um alguém apaixonado, feito em 2012) reforçam o conceito dado pelo curador da mostra em torno do aproveitamento de assuntos presentes no cotidiano, mas, que, muitas vezes, esbarram na conveniência do pouco caso.
;Kiarostami apresenta temas de uma forma diferente e sobretudo inesperada, quando vinda de um diretor iraniano;, pontua o pesquisador de cinema. Aos que contestam a lentidão do desenvolvimento das tramas iranianas, o recado é de Fábio Savino, que preconiza maior envolvimento com a arte, quando se trata de Kiarostami: ;Acho que a própria noção de chato, em cinema, é muito discutível. Ela vem, claramente, de um domínio do cinema americano em que o espectador é condicionado a um entretenimento eterno e sem tecer pensamento crítico. As ações se perfilam, sem necessidade de reflexão. Kiarostami, ao contrário, permite e incita o espectador a completar o filme de certa forma;.