São Paulo ; Ainda era cedo, mas a fila estava grande em frente ao Citibank Hall, palco da estreia do novo show de Ana Carolina e Seu Jorge. Lá dentro, o clima era de euforia. Ao começo dos primeiros acordes, uma plateia diversificada ; de jovens a idosos ; vibrava com cada uma das 30 canções que compõem o novo repertório. Diversidade, inclusive, é a melhor definição para a escolha das faixas, que vai de Tom Jobim a Araketu, passando, como não poderia deixar de ser, por grandes hits dos artistas.
Foram 11 anos de espera pelo reencontro, que desembarca em Brasília no início de maio. Em 2005, a dupla varreu o país com o lançamento do disco Ana & Jorge, que vendeu impressionantes 300 mil cópias, uma marca impensável no mercado atual. O formato voz e violão agradou ao público, que sacralizou a canção É isso aí como um dos maiores sucessos da música brasileira recente.
O retorno foi marcado por uma reformulação. O show ganhou uma roupagem eletrônica e o clima em nada lembra os ares intimistas do primeiro lançamento. A ordem é celebrar e inovar. E eles se reuniram, em uma coletiva de imprensa, para falar justamente sobre essas novas provocações. Aproveitaram e soltaram o verbo quando questionados sobre gênero, preconceito e cenário político.
>> Entrevista // Ana Carolina e Seu Jorge
A ideia da reunião era celebrar os 10 anos do primeiro encontro?
Ana: Sempre dá aquela atrasadinha. Acho que não foi pensando: ;Quando bater 10, a gente tem que fazer alguma coisa;. Foi natural, a gente foi se reencontrando, se paquerando.
Jorge: A gente tentou fazer isso muitas vezes antes de completar 10 anos, mas não conseguia. A Ana falava: ;Mas fazer o quê, cara?;, ;fazer um show?;, ;mas a gente já fez um show;. (risos)
Ana: Óbvio que depois de tantos anos, seria interessante que a gente contasse o que rolou com a Ana e com o Jorge nesse tempo. Ver o que aconteceu com a gente. A maturidade e a intimidade hoje são muito maiores.
O repertório ficou bem eclético, de Tom Jobim a Araketu. Como foi a escolha das canções?
Jorge: Música é veículo de informação e de expressão também. Gosto de ir do samba ao sertanejo, explorar os grandes clássicos, a soul music. Sair da discussão do gênero e passar pela pluralidade da música brasileira, mas a gente sabia que precisava fazer um show balizado pelos nos nossos sucessos, principalmente. As pessoas que chegam à apresentação estão querendo se libertar desses problemas todos, desse cenário atual, pelo menos naquela hora. Querem cantar o amor e a fantasia e sair da dificuldade de empreender o Brasil, que a gente tem feito desde que nasceu.
Corre nos bastidores de que brigas entre vocês impediram a primeira turnê, que acabou limitada aos shows do DVD...
Ana: A gente briga toda hora e faz as pazes toda hora. Não é que ficamos brigados. Eu não posso ferir a forma de expressão dele nem ele a minha. Os dois têm a personalidade superforte.
Jorge: Entre parceiros, não pode haver formalidades. Quando juntam duas personalidades assim, é pra ser um negócio foda, até intransponível. A porrada canta mesmo, a chapa pela. Não pode ser essa moranguince. Mas essa história de ;brigados;, de que não nos falamos, não existe. É justamente desse encontro de personalidades distintas que nasce o diferencial do nosso trabalho.
No show, a Ana brinca que o ;filho; da relação de vocês é cria de ;um preto com uma gay;. O debate sobre gênero permeia o discurso de vocês? Hoje, as minorias têm o que comemorar?
Jorge: A música é instrumento de expressão poderosíssimo, e a questão do gênero é explorada cada vez mais em torno do mundo, por cantoras como Madonna e Lady Gaga, então, é natural que a música brasileira, que tem a diversidade na essência, não fique fora disso. É evidente que, na contemporaneidade, temos mais abertura para tratar temas como pluralidade e diversidade, e a música também sofre essa influência.
Ana: A gente é muito minoria para o sucesso todo que a gente faz. (risos) Mas, sim, temos o que comemorar. Ver um país como os Estados Unidos com um presidente negro, o Brasil com uma presidente mulher, isso são avanços. Mas a luta continua. Porque o preconceito existe.
E a proposta de vocês, enquanto artistas e pessoas, é justamente discursar contra esse preconceito...
Ana: A luta vai sempre continuar. Eu vejo mães que vão ao meu show e dizem: ;Foi difícil quando a minha filha disse que era gay. Mas, ouvi o seu disco, ouvi teu discurso, e o processo foi mais fácil;. Isso é gratificante. Que bom que estou ajudando de alguma maneira. Não levanto bandeira, mas o preconceito existe mesmo. Nada me tira da cabeça que as pessoas mais preconceituosas são aquelas que têm algum problema com a própria sexualidade, uma questão embutida. Por que, assim, eu não gosto de camarão, e se chega um prato de camarão na mesa, eu não como. Simples assim. Eu não vou ficar esbravejando contra o camarão. Esses caras que falam muito querem é dar o c.. Por que não ficam quietos, porra? Mas vamos com a esperança de que as cabeças vão continuar se abrindo.
Jorge: Durante um show nosso, vi duas senhoras negras, obesas, beirando os 50 anos, se beijando. Automaticamente, pensei: ;Só podia ser aqui;. Só aqui para elas se amarem livremente, com tranquilidade, sem julgamento. Uma experiência muito bonita, que me emocionou.
Como enxergam o cenário político atual? O fato de termos uma presidente mulher gera manifestações misóginas? Será que a figura dela, enquanto mulher, atrapalha esse panorama?
Jorge: Não. Acho que é ingerência mesmo. O quadro brasileiro é um quadro muito triste. Eu contava com uma virada positiva do Brasil. Promovi isso lá fora. Falei muito dessa expectativa. Não conseguimos. Estamos com todas as atividades estagnadas. Tudo parado. Acho bem difícil a situação do governo se sustentar. A gente vai precisar ir lá embaixo, na rapa do tacho, pra trilhar esse caminho de volta. Para iniciarmos esse processo de regeneração. Não acho que a questão seja ela ser mulher. Nos Estados Unidos, temos uma candidata mulher. A mulher está em alta, onde deve, de fato, estar, embora essa posição precise ainda ser proclamada.
Ana: Eu tenho esperança de que o quadro se reverta, a coisa melhore e tudo se assente.
É por isso, Jorge, que preferiu se mudar com a família para os Estados Unidos?
Jorge: No momento, está sendo importante estar lá. Tenho trabalho fora do Brasil. Para a educação das minhas filhas está sendo um diferencial. Minhas filhas têm uma veia artística, e os americanos estimulam essas capacidades desde cedo. Elas estão bem adaptadas. Não pretendo tirá-las de lá. Tem sido um aprendizado viver nos Estados Unidos. Eles me deram essa oportunidade, investiram em mim. E preciso dar resposta a esse investimento.
E o que gostaria de perguntar para a Ana, se fosse você a entrevistá-la?
Jorge: Ana, sua agenda é cheia? Você sabe de qual agenda estou falando... (risos).
Ana: Lotada! (risos)
Jorge: Ô, sorte!
* O repórter viajou a convite da Hits Entretenimento.
Ana Carolina e Seu Jorge
Em 14 de maio. No Centro Internacional de Convenções do Brasil, às 22h. Ingressos a partir de R$ 80 (meia-entrada), à venda na Central de Ingressos do Brasília Shopping.