Nascido em uma geração guerreira, que fez do desejo de voz a força do país, Elifas Andreato transformou capas de discos e painéis em símbolos brasileiros. O artista, que comemora meio século de carreira com a exposição Elifas Andreato, 50 anos, já estampou canções de Paulinho da Viola, Elis Regina, Martinho da Vila, Tom Zé, Chico Buarque e Vinicius de Moraes, além de registrar os abusos da ditadura em jornais e telas. Em cartaz no Museu dos Correios até o dia 3 abril, a mostra apresenta mais de 70 obras de Andreato e promete uma viagem às últimas cinco décadas de história.
;A velhice é uma coisa chata, mas eu felizmente estou sempre produzindo e animado; continuo a fazer aquilo que sempre fiz e dentro dos meus limites dou minha contribuição para a cultura brasileira;, diz. Nas palavras do mestre, por ser de uma geração que combateu e sofreu, a arte é uma resposta à necessidade de expressão. ;Alguns morreram, mas a gente derrotou a ditadura e o arbítrio; eu fiz a minha pequena parte com os desenhos necessários para revelar nossa indignação à tortura e aos assassinos do regime militar;, explica.
Figura da música
Mesmo com passagem pelas artes cênicas, Andreato assinou carreira nos toques da música brasileira. Segundo ele, por mais que tivesse grande convívio com diretores e atores, a vitrine musical é mais acessível para exposição dos trabalhos. ;Faço parte de uma época muito especial e destaco obras feitas para a música;, acrescenta. Para o artista, não existe uma obra preferida, já que cada uma guarda histórias memoráveis. Na capa de Ópera do Malandro, de Chico Buarque, por exemplo, Andreato se inspirou na faixa título do LP: ;A volta do malandro sugeriu essa ideia de colocar um malandro dormindo no vagão;. Como explica o desenhista, o contexto é a imagem ideal do samba. ;Contratei um figurante para se vestir e depois trabalhar no processo de ilustração gráfica;, conta.
Já que as capas dos discos são um convite para a apreciação da obra, Andreato diz sempre se inspirar no conteúdo. ;Todas as imagens surgem da necessidade de fazer um convite e de fazer com que as pessoas se interessem pela arte; meu ofício é embalar obras preciosas e provocar interesse por meio de imagens;, explica. Para ele, as figuras precisam espelhar a essência das canções. ;As ideias sempre surgem do conteúdo da obra e, já que essas obras que embalei serão sempre maiores do que posso fazer, meu trabalho é convidar com precisão;, conta.
;Se você ouvir Nervos de aço, verá que conta a história de uma separação e isso coincide, evidentemente, com uma época da vida de Paulinho da Viola;, como lembra Andreato. Quando Paulinho da Viola lançou o sexto álbum da carreira, passava por um momento pessoal conturbado: a separação da primeira esposa. Segundo ele, esse momento refletia na essência das canções e consequentemente precisava ser estampado como referência do álbum. Para ilustrar a capa, o desenhista retratou o músico banhado em lágrimas e segurando um buquê de flores, o que gerou questionamentos por revelar publicamente os sentimentos do sambista. ;A capa marcou a ruptura entre as capas que haviam sido feitas no passado, porque elas eram só fotografias e não tinham comprometimento com o conteúdo musical do disco;, completa.