Existe um tipo de viagem que custa menos de três dígitos, é mais ecológica que uma hora dentro de um carro ou avião e pode levar o viajante a terras muito distantes sem necessidade de malas e documentos especiais. É um tipo de viagem ideal para as férias de baixo orçamento e grandes ambições, com bilhete disponível em qualquer livraria, biblioteca ou até mesmo a um clique de distância dos dedos do candidato ao embarque. E mesmo que o deslocamento seja físico e real, um bom livro não faz mal. O Diversão selecionou lançamentos recentes capazes de transportar o leitor para pequenos (e muitas vezes surpreendentes) mundos. Tempo de férias também é tempo de colocar a leitura em dia. Bom proveito!
Ficção
Um menino-escravo que teria convivido com o maior abolicionista norte-americano, um escritor frustrado armado de farpas contra o mundo da literatura e um secretário particular em uma Madri pós-franquista prestes a vivenciar a famosa Movida dos anos 1980. São muitos os cantinhos da ficção produzidos em 2015 e ainda quentinhos, recém-saídos do forno. A começar pelo curioso O pássaro do bom senhor, do americano James McBride.
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O romance ganhou o National Book Award, prêmio mais importante da literatura nos Estados Unidos, ao lado do Pulitzer, e é uma ficção histórica curiosa. Salvo de incêndio em igreja em 1966, suposto diário de ex-escravo chamado Henry revela a ligação do autor com o abolicionista John Brown. Henry teria convivido, durante a infância, com o personagem conhecido pela luta contra a escravidão. Originalmente um saxofonista e compositor, James McBride já publicou quatro romances. É muito apreciado pela crítica norte-americana e um de seus livros, Milagre em St. Anna, inspirou filme de Spike Lee.
Gremista de Porto Alegre, Reginaldo Pujol Filho é uma das vozes irreverentes da literatura contemporânea brasileira e seu Só faltou o título vai na esteira provocativa da autoficção. É tudo mentira, garante o autor, mas o leitor fica confuso com as fronteiras entre realidade e ficção ao mergulhar na história de Edmundo, escritor frustrado, hater pré-internet, muito crítico quanto ao mundinho dos autores brasileiros contemporâneos.
Lourenço Mutarelli transita na mesma fronteira. Seu O grifo de abdera mistura de personagens que, ao final, são apenas um. É confuso mesmo, mas Mutarelli brinca com a própria identidade e a fusiona à do narrador para criar um sujeito bizarro: ele jura ser ele mesmo e um outro. Enfim, é um caminho comum (e divertido) quando se trata de Mutarelli. Mais clássico, Javier Marías busca a história recente em Assim começa o mal. Escritor multipremiado ; 21 prêmios, incluindo os prestigiados Femina (França) e Nelly Sachs (Alemanha) ; e autor de 12 romances, o espanhol ficou conhecido no Brasil com Enamoramentos, publicado por aqui em 2012. Assim começa o mal tem a mesma linha narrativa e até retoma um personagem de Enamoramentos.
Não ficção
A figura de Oliver Sacks comoveu o mundo da literatura de não ficção em 2015. O neurologista escritor, autor de preciosidades como Tempo de despertar e Alucinações musicais, passou os últimos meses de vida após a descoberta de uma metástase preparando a autobiografia Sempre em movimento, publicada em julho de 2015, mas é um livrinho recém-chegado às livrarias que merece toda a atenção do leitor neste início de 2016. Gratidão tem apenas 62 páginas, mas é uma lição de vida sem pieguices ou conselhos. Tratam-se dos últimos textos escritos por Sacks antes de morrer, em agosto, e falam da expectativa da morte e da diferença que faz uma vida bem vivida quando se está próximo do fim.
A irreverência de Xico Sá é sempre uma boa opção de humor inteligente capaz até de alimentar reflexões sérias. Último volume da trilogia Modos de macho & modinhas de fêmea, Os machões dançaram tem sua atualidade em um ano marcado por #meuprimeiroassédio e #meuamigosecreto. A internet e as redes sociais, aliás, se revelaram fonte generosa para o cronista. De tanto observar o que acontece por lá (e por outras paradas também), Sá voltou com tipos hilários. Tem o Macunaemo, o ;típico brasileiro metropolitano. O Homem de Ossanha, ;cara que provoca, assanha a moça no campo virtual e, na vida real, sempre cai fora com uma desculpa furada;, e o macho alfa, bem, é uma utopia. ;Como pode existir um homem com tantas convicções inegociáveis, com tanto arrojo e determinação em uma era de tantas incertezas?;, se pergunta Xico Sá.
Para quem prefere temas mais sérios, dois livrinhos dignos de atenção merecem um lugar na mesa de cabeceira. Carta aos escroques da islamofobia que fazem o jogo dos racistas ajuda a compreender por que as intenções do jornal satírico francês Charlie Hebdo nunca foram racistas. Escrito por Stéphane Charbonnier, um dos jornalistas mortos no atentado de fevereiro contra o jornal, o manifesto discorre sobre racismo, islamofobia, liberdade de expressão, crenças, democracia e outros temas ligados às tensões sociais e raciais na França de hoje. ;Se você acha que a crítica às religiões é expressão de racismo;, diz Charb. ;Então, boa leitura, porque esta carta foi escrita para você.; Em Se liga no som ; As transformações do rap no Brasil, o músico e antropólogo Ricardo Teperman investiga as transformações na maneira de fazer e ouvir rap no Brasil. Não é um ensaio para esgotar o tema, e sim para abrir uma porta de pequisa para um gênero capaz de dar voz à periferia das grandes cidades.
Poesia
Não há maneira mais lírica de começar o ano do que munido de bons versos. E Carlos Drummond de Andrade sabia disso. Não foi o próprio poeta quem organizou Receita de Ano Novo, que a Companhia das Letras publicou em dezembro, mas ali estão alguns dos poemas que falam de mudanças, recomeços, festas de fim de ano e renovação. Vale a leitura descompromissada, assim como vale revisitar os versos de Adélia Prado, agora todos juntos em Poesia reunida. A publicação da editora Record comemora os 80 anos da autora, completados em 13 de dezembro de 2015.