Maíra Freitas se lançou como cantora em 2011, quando estreou com o álbum que levava seu nome, mas o envolvimento com a música vem de berço. A carioca é mais uma das herdeiras de Martinho de Vila, que, assim como Mart;nália, decidiu seguir o caminho traçado pelo pai.
Pianista e arranjadora formada pela Escola de Música da UFRJ, neste ano, a artista decidiu sair da sombra do pai e se afirmar ainda mais como cantora. ;Muitas pessoas já conhecem meu nome, algumas já ouviram falar, muitos sabem que o Martinho da Vila tem uma filha pianista, que toca bem e canta legal. Estou trabalhando bastante para que as pessoas conheçam o meu trabalho cada vez mais;, conta.
Para isso, Maíra Freitas lançou o álbum Piano e batucada. O disco traz 13 faixas, sendo 10 de composição da artista. ;Agora o público pode conhecer melhor esse meu lado compositora, além da cantora, pianista e arranjadora;, define. As composições trazem um pouco do cotidiano e dos sentimentos da cantora de 30 anos. ;Tenho uma necessidade visceral de compor. É algo que realmente preciso fazer para o bem da minha saúde mental. Este disco é cheio de músicas assim;, completa.
Repertório
Piano a batucada lembra bastante outro disco de 2015, A mulher do fim do mundo, de Elza Soares. Assim como fez Elza, Maíra Freitas trata de assuntos atuais e polêmicos. Êta, que abre o disco, é uma faixa sobre a força da mulher, e ela apresenta uma versão de Feeling good, de Nina Simone, em parceria com o Ilê Aiyê.
;Acho muito importante que haja mulheres compositoras que escrevam sobre empoderamento feminino. A luta pela igualdade de gêneros vem sendo traçada há bastante tempo, mas a nossa sociedade ainda tem muito o que evoluir. E o meio artístico tem muito o que contribuir para mudar a mentalidade das pessoas;, defende.
Além do Ilê Aiyê convidado em Feeling good, o álbum possui ainda mais participações especiais. Maíra recebeu a irmã Mart;nália ao lado de Felipe Cordeiro na faixa Gargalhada; o sambista João Sabiá em Pousa; e Filipe Catto em Estranha loucura. ;Com o Filipe Catto, eu gravei um teclado no disco dele e, quando o chamei para fazer o Estranha loucura, ele adorou. O Felipe Cordeiro um dia apareceu lá em casa e mostrei uma levada de piano, ficamos tocando um tempão e pronto: saiu a música. João Sabiá também foi no mesmo esquema;, conta.
>> Entrevista // Maíra Freitas
Como foi a sua preparação para lançar Piano e batucada?
Surgiu de um desafio pessoal e uma vontade de experimentar um formato diferente. Como pianista, me sinto à vontade de tocar com qualquer formação: piano trio, piano e banda grande, orquestra, big band, piano e voz. Nesses últimos dois anos, comecei a experimentar um show somente de piano, voz e bateria. Mergulhei nas levadas de piano, virei baixista de sintetizador e estudei a tecnologia dos loops ao vivo. Adorei esse desafio, o piano é um instrumento de percussão e penso nessa conversa do piano e batucada como uma conversa entre duas pessoas, um casal, um relacionamento.
Em algum momento da carreira você sentiu pressão por vir de uma família musical?
Talvez, mas não uma pressão forte. Acho que sinto uma expectativa, as pessoas querem saber o que vai vir de mim. Todos acham muito diferente o fato de uma pianista ser filha do Martinho da Vila e irmã da Mart;nalia. Geralmente elas esperam que seja uma sambista genuína, que vá seguir o caminho da família, mas eu sempre trilhei meu caminho próprio. Claro que tenho muita influência do samba e como minha irmã diz ;corre em minhas veias;, mas somos todos muito diferentes e eu tenho outras preferências musicais e sou muito aberta a estilos diversos.
Boa parte das músicas são composições suas. O que te inspira a escrever?
A vida, o cotidiano, as emoções, os sentimentos, coisas que acontecem comigo e que acabam sendo comuns a muitas pessoas. Esse disco fala muito de mim e das coisas que aconteceram comigo nos últimos dois anos. Estou com 30 anos e minha vida vem passando por grandes mudanças. Amadureci e mudei muito nesse tempo e, quando acontecem coisas que me marcam ou mexem comigo, tenho uma necessidade visceral de compor. É algo que eu realmente preciso fazer para o bem da minha saúde mental, é como comer e respirar, é algo que eu preciso fazer naquela hora. Este disco é cheio de músicas assim.
Em Êta você valoriza uma mulher forte. Você se considera feminista? E qual é a importância como artista em retratar a mulher de uma forma diferente do que ela costuma ser destacada?
Sim, sou feminista. Acho muito importante existirem mulheres compositoras que escrevam sobre empoderamento feminino. A luta pela igualdade de gêneros vem sendo traçada há bastante tempo, mas a nossa sociedade ainda tem muito o que evoluir. O machismo impera na mídia contemporânea e na política, os conceitos retrógrados habitam o nosso subconsciente. A luta é constante. A mulher forte, empoderada que sabe o que quer, vai a luta e é livre pra expressar sua sexualidade e sua natureza feminina da maneira que bem entender, essa mulher está aí em todos os cantos, mas elas nem sempre são tratadas como merecem. As piadinhas, a mulher objeto, o mercado de trabalho desigual, as leis que tiram as liberdades da mulher, tem muito trabalho a ser feito. E o meio artístico tem muito o que contribuir para mudar a mentalidade das pessoas.
O disco também tem uma parceria bem legal com o Ilê Ayiê com uma versão do clássico de Nina Simone. Como surgiu a ideia de gravar essa releitura da canção?
Eu sempre gostei muito dessa música e a Nina Simone sempre foi uma referência pra mim como pianista, cantora e personalidade. Eu gosto muito de experimentar coisas diferentes para cada música, gosto de mudar as coisas. Um dia resolvi colocar a Nina Simone num samba-afro e tudo se encaixou. Logo depois veio a oportunidade de tocar com o Ilê deu tudo certo. Fizemos um show juntos e eu cantei essa música, foi uma das primeiras músicas a entrar pro disco, eu sabia que tinha que gravá-la. Às vezes imagino a Nina subindo as ladeiras do Curuzu, acho que ela ficaria maravilhada com toda a nossa africanidade.
Por que fazer uma música baseada em versos de Fernando Pessoa?
Gosto muito do Fernando Pessoa e possuo alguns livros. Na verdade, tudo foi muito ao acaso. Eu estava no piano destrinchando uma levada meio semba angolano, meio música do Pará e num break do estudo abri um livro do Pessoa. Folheando, acabei lendo "tenho que me lembrar, mas me lembrar de que?". Achei isso genial, além de ter tudo a ver comigo. Daí surgiu a música.
Piano e batucada
De Maíra Freitas. Biscoito Fino,
13 faixas. Preço: 31,90.