É preciso ter muito cuidado ao sepultar algo ou alguém no mundo da música. Quando surgiram mecanismos como o Napster, Soulseek e afins, foi declarado o fim da indústria fonográfica. Anos depois, com o advento das plataformas de streaming e novas fontes de renda, a indústria conseguiu se reerguer, mas o morto da vez foi outro. No ano em que o Spotify se solidificou e a Apple Music e o Tidal apareceram, as playlists seriam as responsáveis por assassinar os álbuns.
No entanto, após Adele vender mais de 3 milhões de unidades do seu novo disco, 25, em apenas uma semana, os especialistas e entendidos mais uma vez estão coçando a cabeça para tentar entender e apontar as tendências do mercado. É claro, ser Adele ajuda qualquer um a vender discos, mas ajuda também fazer um bom trabalho.
E, em 2015, não faltaram bons álbuns. Desde o pop romântico de Adele até o mais dançante de Anitta, passando pelo funk de Mark Ronson, até o hip-hop engajado de Kendrick Lamar e Emicida, o ano foi recheado para os admiradores de uma obra musical completa, para escutar do começo ao fim. O Diversão & Arte fez uma retrospectiva dos mais falados e, na nossa opinião, melhores do ano. Confira abaixo.
Mark Ronson - Uptown Special
(RCA Records)
; Houve um tempo, ainda no ano de 2015, que o maior hit do planeta não pertencia a Adele ou ao Justin Bieber. E nessa época, por mais longínqua que possa parecer, esse grande sucesso pertenceu ao produtor e compositor Mark Ronson, responsável, ao lado de Bruno Mars, pelo sucesso Uptown funk. A música faz parte do disco Uptown special, uma divertida homenagem de Ronson ao funk do fim dos anos 1970/começo dos anos 1980, com participações de, além de Mars, do rapper Mystikal e da lenda Stevie Wonder.
Kendrick Lamar - To pimp a butterfly
(Top Dawg Entertainment)
; O rapper Kendrick Lamar tem se destacado no mundo do hip-hop ao se afastar das letras sobre dinheiro, mulheres e carrões, tão comuns entre seus colegas. Em To pimp a butterfly, Kendrick faz reflexões mais profundas sobre os dias no bairro de Compton, em Los Angeles, fama e racismo. A consciência sobre as origens é evidente, também, na hora de prestar tributo às referências dentro do hip-hop, quando o artista simula uma entrevista com Tupac, morto em 1996.
Miguel - Wildheart
(RCA Records)
; Nos últimos anos, o rhytmn & blues foi revitalizado pelo trabalho de artistas como Usher, R. Kelly, Frank Ocean e Trey Songz. Se em 2015, os singles de The Weeknd foram os mais escutados nas boates do mundo, nenhum álbum conseguiu reunir com mais naturalidade o clima sensual do clássico r com a utilização de elementos modernos quanto Wildheart, terceiro álbum de Miguel. Essa união do passado com o moderno fica especialmente evidente na faixa Coffee.
Coldplay - A head full of dreams
(Parlophone)
; Após chorar todas as mágoas devido ao término com a companheira Gwyneth Paltrow no sombrio Ghost stories, de 2014, Chris Martin e o Coldplay vieram decididos a mostrar que estão de bem com a vida em A head full of dreams. As letras do vocalista continuam falando de arco-iris, céus estrelados e seguir seus sonhos, mas o soft rock apresentado pelo quarteto britânico também continua afiado, e nesse trabalho eles tiveram ajuda de convidados como Noel Gallagher, Beyoncé e até o presidente Obama. Destaque para a faixa Fun, parceria com a sensação sueca Tove Lo.
Drake and Future - What a time to be alive
(Race to the moon)
; O rapper canadense Drake fez muito barulho em 2015. No começo do ano, ele lançou de surpresa a mixtape If you;re reading this, it;s too late, entrou em uma rivalidade com o rapper Meek Mill, namorado de Nicky Minaj e lançou, no meio do ano, o mega hit Hotline bling. No entanto, a principal conquista artística do ano foi o trabalho com Future, o qual rendeu os hits Jumpman, What a time to be alive e 30 for 30 freestyle.
Elza Soares - A mulher do fim do mundo
(Natura Musical)
; A presença de A mulher do fim do mundo, de Elza Soares, é obrigatória nessa lista. O álbum, apenas com inéditas, mostra que a cantora sabe se modernizar ao mesmo tempo em que consegue ser tradicional. O frescor do disco tem muito a ver com as parcerias com os compositores e músicos Guilherme Kastrup, Celson Sim, Rômulo Fróes, Kiko Dinucci, Marcelo Cabral, Rodrigo Campos e Felipe Roseno. Há a incorporação de batidas eletrônicas, samba, rock e elementos de diferentes estilos musicais, mesmo assim Elza permanece fiel ao jeito ousado de ser, onde debate temas fortes por meio da música como violência doméstica (Maria da Vila Matilde), drogas (Benedita) e negritude (A mulher do fim do mundo).
Anitta - BANG!
(Warner Music)
; Desde que assinou um contrato com uma gravadora Anitta se distancia do funk e se aproxima do pop, se antes ela só tentava fazer isso, com BANG! ela finalmente conseguiu se firmar de vez como uma artista da música pop brasileira (mesmo que ela tenha que ;criar; a alcunha não tão comum no Brasil). O álbum mostra uma união de influências da música internacional com alguns estilos que também se destacam como preferidos da cantora como o reggae (Cravo e canela e Deixa a onda te levar), o próprio funk (Parei e Atenção) e a black music (Essa é mina louca). As parcerias também são outro mérito do disco, que tem Jhama (Trio Ternura), Vitin (Onze e 20), Dubeat, Cone Crew e Nego do Borel.
Johnny Hooker - Eu vou fazer uma macumba pra te amarrar, maldito!
(Jdm Music)
; Quando Johnny Hooker canta os versos ;eu vou fazer uma macumba pra te amarrar, maldito!”, na música-título do disco, ele os entoa para um ex-amor, mas poderia facilmente ser para o ouvinte: a impressão é de que Hooker fez, de fato, uma macumba para deixar todos viciados em seu CD. O material de estreia do pernambucano em carreira solo é vísceral, romântico, moderno e com uma pitada de rock;n;roll. Já não bastasse a poesia em suas letras, é o jeito que o artista canta que toca ainda mais. Ele tem um ar ao mesmo tempo Cássia Eller, Cazuza e Caetano Veloso. A qualidade do álbum é tão grande que é difícil destacar as melhores faixas, mas dá para arriscar: Alma sebosa, Amor marginal e Volta.
Tulipa Ruiz - Dancê
(Natura Musical)
; O principal trunfo do terceiro disco da carreira de Tulipa Ruiz é mostrar um lado totalmente novo da cantora como artista. Voltando a trabalhar com o irmão Gustavo Ruiz, a paulista é compositora de todas as faixas. Dessa forma, ela consegue passar exatamente a mensagem que queria desde o início: criar um disco dançante. O ;movimento; do CD começa desde o encarte, que utiliza uma técnica de movimento nas ilustrações feitas por Tereza Bettinardi, até, claro, na sonoridade. Mas não confunda dançante com música para balada, Dancê é o material que você bate o pezinho, movimenta as mãos e se envolve na faixa sem precisar desfilar pela pista de dança.
Adele - 25
(XLRecordings/Columbia)
; Um dos discos mais aguardados do 2015 ; na, verdade, foram quatro anos de espera ;, é fácil descrever porque 25 logo se tornou uma sensação. É até contraditório, mas Adele inova sem mudar. O álbum mostra claramente o amadurecimento da britânica em relação a relacionamentos, sendo assim, as faixas passam de meras dores de cotovelo para um sofrimento mais maduro, vendo algo positivo naquele aprendizado. Mas a fórmula de 25 é a mesma: as letras sobre relacionamentos, uma batida mais lenta e todo um destaque para a supervoz de Adele. É um disco que aos poucos em que se vai ouvindo, se aprende a gostar e apreciar cada vez mais.
Emicida ; Sobre crianças, quadris, pesade los e lições de casa;
(Sony/BMG)
; Quando completou uma década de carreira, o rapper Emicida realizou um sonho.Ele fez uma longa viagem por países da África. Alguns dos lugares tiveram um impacto maior no artista, especialmente os de língua portuguesa, como Angola e Cabo Verde. O resultado foi o melhor disco da trajetória artística de Emicida. Mãe, Mufete e Boa esperança são três belíssimos exemplos de quão inspirado estava o rapper ao fazer este álbum.
Siba ; De baile solto
(FINA)
; De Mestre Ambrósio à A Fuloresta. Do Recife à Zona da Mata Pernambucana. Do Manguebeat à música de raiz. Circular com tamanha desenvoltura entre a diversidade cultural de Pernambuco transformou Siba no músico mais sofisticado de sua geração. O som do artista consegue colocar guitarra e maracatu em harmonia impressionante neste trabalho, além de letras mais politizadas. O cabra é, de fato, ponta de lança!
Gal Costa ; Estratosférica
(Sony/BMG)
; A eterna musa da Tropicália tomou um banho de novas influências e se reinventou em 2015. Gal mantém a voz irretocável, com os agudos inconfundíveis e que marcaram a carreira da cantora. Os arranjos criativos e modernos estão entre os grandes trunfos de Estratosférica, produzido por Kassin e Moreno Veloso. Canções de Mallu Magalhães, Marcelo Camelo, Lira e Zeca Veloso, por exemplo, dão frescor ao álbum.
Boogarins - Manual, ou guia livre de dissolução dos sonhos
(Other Music Recording)
; Era uma vez uma banda de Goiânia que pouquíssima gente tinha ouvido falar no Brasil. Aí, uma gravadora norte-americana conheceu o trabalho do quarteto e lançou o disco nos Estados Unidos e na Europa. Com um som psicodélico de primeiríssima qualidade, eles conquistaram crítica e público, e conseguiram fazer um segundo álbum ainda melhor que o de estreia. É isso: Do Planalto Central para o mundo.
Chico Chico - 2 x 0 Vargem alta
(Coqueiro Verde - Novo Disc)
; A genética é algo realmente impressionante. Cássia Eller está em Chico Chico de diversas maneiras: na timidez, nos traços do rosto e, para sorte da música, no vozeirão rasgado. O disco de estreia do jovem é despretensioso e, talvez, por isso mesmo um dos lançamentos mais legais deste ano. Destaque para o blues Notas de
cem, com os versos ;E de duas uma/ ou você me acaba/ ou você me arruma;, escritos pelo próprio músico.