Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Pintura de Fábio Baroli mostra um interior atual em exposição no CCBB

Artista faz trabalho nada romantizado sobre a vida no campo

Os trocadilhos são comuns nos títulos das pinturas da Fábio Baroli. Não há gratuidade na maneira como artista os utiliza nas pinturas da exposição Deitei para repousar e ele mexeu comigo, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Baroli nasceu em Uberaba, há 34 anos, e foi por lá que encontrou o material das cinco séries selecionadas para a mostra com ajuda da curadora Renata Azambuja. Depois de oito anos em Brasília para cursar artes visuais na UnB e mais três no Rio de Janeiro, ele decidiu voltar à cidade de origem para fazer o que chama de antropomatutologia, ou uma antropologia do matuto.

A combinação dos trocadilhos típicos do meio rural usados nos títulos e uma pintura corajosamente realista renderam uma série de quadros coloridos e bonitos, porém carregados de um olhar raramente ingênuo. Não é um retrato da vida no interior que Baroli propõe, mas, de certa forma, uma reflexão sobre questões contundentes como a opressão imposta pelo cotidiano, as relações de poder no meio agrário e a postura diante da morte e do desconhecido. ;A ideia não é trabalhar o interior de forma romantizada. A pergunta que me faço é como seria esse matuto hoje;, conta o artista, que aponta o quadro Meu matuto predileto como um ponto de partida para pesquisa.

Foi pouco antes de voltar para Uberaba, em 2012, que Baroli começou a notar, em algumas pinturas, a presença de referências do próprio passado no interior de Minas Gerais. Resolveu assumir essa postura de vez ao retornar para a cidade mineira e dar corpo à pesquisa. ;Resolvi criar coragem e voltar. Fiquei com medo de ficar um pouco isolado, mas resolvi criar isso pela poética do trabalho, para ter o alimento poético do cotidiano;, explica. ;E o retorno me trouxe um monte de surpresas.; A antropomatutologia está nos rostos de obras como Pra lá de dois pé-de-gariroba e Cê gosta de laranja?, mas também nas escolhas de composição de polípticos como Quando a seca entra e A terra do zebu e a casa do caralho. Nessa última, montada em uma sala reservada e escura, Baroli revisita as manifestações que tomaram as ruas de Uberaba em 2013.

Terra de zebu é a terra do gado, mas também do demônio e seu inferno, da represália e da opressão. Ao refletir sobre as manifestações de 2013 que invadiram as ruas do Brasil, o artista tentou imaginar qual o lugar do matuto no cenário tomado por redes sociais, indignação e black bocks. ;Ficava imaginando que, se esses matutos caíssem na TV ou na internet reivindicando seus direitos, seriam cyberjecas. Comecei a pensar sobre isso e desenvolvi esse trabalho. É um trabalho de resistência;, avisa. As manifestações aconteceram em julho, Baroli pintou os quadros em agosto.

Quando a seca entra tem um viés mais intimista, um olhar nascido de uma arqueologia familiar. Os álbuns de família deram o subsídio para o artista criar as 81 pinturas -- pequenas reproduções das fotografias encontradas e do próprio álbum -- da série. ;O desafio desse trabalho foi a paleta saturada;, admite, ao encarar as nuances acinzentadas das telas. Agora, Baroli começa a olhar em outra direção e a se interessar pelas paisagens do interior. Se antes elas apareciam como pano de fundo, em Pra lá de dois pé-de-gariroba, o painel de entrada da exposição, elas ganham volume. ;Virou assunto principal;, constata o artista, que deve continuar a investir na paisagem.


Deitei para repousar e ele mexeu comigo

Exposição de Fábio Baroli. Visitação até 21 de dezembro, de quarta a segunda, das 9h às 21h, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB ; SCES Trecho 2)