O Estado de Israel era recém-nascido quando o suíço Jean Mohr começou a trabalhar para a Cruz Vermelha. Em um posto de delegado para o Oriente Médio, o fotógrafo trocou Genebra pela Palestina com a missão de fotografar os refugiados. Já naquela época, eles eram muitos. Deixaram suas casas para que Israel, fundado oficialmente em maio de 1948, pudesse se instalar. De lá para cá, guerras, miséria, fugas e luta desesperada pela sobrevivência passaram pelas lentes de Mohr, responsável por uma das documentações mais importantes dos efeitos da guerra na população civil ao redor do mundo. São imagens realizadas nesse contexto que a exposição Junto às vítimas: A Suíça humanitária e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha reúne, a partir de segunda, na praça do Museu Nacional da República.
Aos 89 anos, depois de vivenciar as consequências de dezenas de conflitos e guerras, o fotógrafo ainda é otimista quando se trata da humanidade. Em entrevista, ele conta que tem esperança na espécie, mas as soluções dos conflitos ainda é algo distante. ;Isso vai levar tempo. Cada vez que uma guerra termina, outra começa em outro lugar;, diz. Fotografar pessoas em situações críticas de extrema fragilidade e angústia requer algumas habilidades. ;Primeiro, ser sensível às situações de exclusão, de rejeição social e racial;, ensina Mohr. Zelar pela dignidade alheia é um dos compromissos de quem está por trás da câmera.
Muitas das imagens realizadas por Mohr renderam livros importantes para a história recente da geopolítica contemporânea. Em parceria com o escritor inglês John Berger, ele fez A fortunate man, uma reflexão sociológica sobre a prática médica. Com Edward Said, publicou After the las sky ; Palestinian Lives. Abaixo, Mohr fala sobre a fotografia, a guerra e os rumos da humanidade.
Cobertura; Além das imagens de Jean Mohr, a exposição tem ainda um lote de 60 fotografias históricas da Cruz Vermelha que serão exibidas na galeria térrea do Museu Nacional. As imagens são resultantes da cobertura da ação da organização em conflitos que marcaram o mundo. Estão lá guerras antigas como a Vietnã, Etiópia e Nigéria, a violência da ditadura na América Latina e dramas mais recentes, como o da Síria e da República Centro-Africana. Durante a exposição, também haverá exibição de filmes. Os documentários Henry Dunant ; Vermelho sobre a cruz, sobre o fundador da Cruz Vermelha, e War photographer, de Christian Frei, vencedor do Oscar de Melhor Documentário de 2005, fazem parte do programa. Henry Dunant ; Vermelho sobre a Cruz (23 de setembro, às 19h, no Auditório 2). War Photographer, de Christian Frei (30 de outubro, às 19h, no Auditório 2)
Junto às vítimas: A Suíça humanitária e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha Exposição de fotografias de Jean MohrVisitação até 4 de outubro, diariamente, na praça do Museu Nacional da República. Hoje, 23 e 30 de setembro, a partir das 18h30: projeção de imagens na cúpula do museu
Entrevista / Jean Mohr
Como o senhor descreveria sua própria fotografia? Podemos dizer que ela tem um estilo?
Não cabe a mim qualificar o estilo de minha fotografia, mas ela se aproxima dos trabalhos de agências internacionais conhecidas, como a Magnum. Além disso, minha passagem pela escola de Belas Artes de Paris deixou alguns traços de pesquisa estética.
O que mudou na fotografia de região de guerra desde a época que o senhor começou a trabalhar?
Provavelmente um abordagem mais concreta e imediata, a pesquisa do antes e do depois. Evitar o choque brutal da morte e se interessar mais pelo que está em volta.
O senhor atuou com John Berger durante mais de 50 anos. Qual o segredo do trabalho em colaboração? O que houve de mais importante nessa colaboração?
Primeiro, o respeito mútuo e a certeza de que John conhecia a imagem tão bem quanto eu, ele foi professor de belas artes, e isso não impediu discussões animadas à respeito de tal ou tal imagem que deveria entrar nos nossos trabalhos e sobre o lugar de uma ou outra imagem. Uma regra subentendia nossas escolhas, uma foto não devia ilustrar o que dizia o texto e o texto não devia contar o que diziam as imagens.
Ser politicamente engajado é essencial para fazer o trabalho que o senhor fez? E como é esse engajamento?
De uma maneira geral, nós pertencemos os dois ao que chamamos de esquerda, mas John estava mais diretamente engajado que eu no combate político. Eu mesmo nunca pertenci a nenhum partido político.
O que o levou à Cruz Vermelha pela primeira vez? Na época, o senhor queria ficar ou era só um lugar de passagem para adquirir experiência?
Depois de obter minha licenciatura na faculdade de ciências econômicas e sociais, trabalhei durante um ano em uma agência de publicidade e foi um ano de frustração. Nessa época, eu praticava muito alpinismo e um dos meus companheiros de montanha era justamente o responsável pelo setor Oriente Médio no Comitê In ternacional da Cruz Vermelha. Ele me propôs partir como delgado do CICR no Líbano e depois na Palestina. Aceitei imediatamente e consagrei quase dois anos ao trabalho com os refugiados da Palestina. Primeiro no CICR e depois na UNRWA.
Qual é, na sua opinião, o objetivo da fotografia de guerra?
Primeiro, fazer o mundo conhecer a situação e as consequências desastrosas do que acontece nos lugares. E depois, tentar fazer com que as pessoas compreendam as causas e consequências do conflito. No que me diz respeito, eu me considero mais como um fotógrafo de antes da guerra ou de depois da guerra. Como um fotógrafo de guerra propriamente, eu provavelmente teria assumido muitos riscos para durar tanto tempo, eu não estaria mais aqui para contar meus dissabores.
Até que ponto podemos contar histórias com fotografias que, na maioria das vezes, são chocantes?
Se trata sobretudo de mostrar como chegamos no ponto de ruptura e tentar desenhar uma saída aceitável e positiva do conflito.