O cineasta chinês Zhao Liang viajou com a câmera a tiracolo através das vastas pradarias da região autônoma chinesa de Mongólia Interior para denunciar apenas com imagens a devastação causada pelo desenvolvimento do planeta no documentário Behemoth, uma poética aventura dantesca que estremeceu nesta sexta-feira (11/9) o Festival de cinema de Veneza.
"E Deus criou a besta Behemonth no quinto dia. Era o maior monstro na terra", adverte fora de cena o autor, que se inspirou na Divina Comédia de Dante para descrever o Purgatório, o Inferno e o Paraíso, que simbolizam os estados em que a Terra se encontra devido ao seu desenvolvimento insano.
A transformação de belos planaltos e campos em terras áridas cobertas de poeira e cinzas resultantes da exploração das minas de carvão, o barulho infernal das mineradoras, o calor abrasador das usinas, o silêncio das cidades-fantasma, resultam em um manifesto ecológico e poético.
"Como Dante conseguiu criar uma obra que combina inferno e paraíso, alcançando um conjunto e um contraste, o mesmo foi o que eu quis fazer. Fui inspirado por uma obra de 800 anos para explicar o que eu queria transmitir", declarou Liang, de 44 anos, em entrevista à AFP.
Autor de inúmeros documentários sobre a face obscura da China, da burocracia kafkiana até a discriminação injusta contra os pacientes com AIDS, Liang oferece desta vez, com imagens reais, um trabalho artístico, com uma fotografia espetacular, que resulta também numa denúncia esmagadora da destruição do planeta pelo homem e sua ideia de desenvolvimento econômico.
Na obra, dividida em três partes, como a Divina Comédia, Liang emprega o vermelho para entrar no inferno das usinas, com operários que trabalham em altas temperaturas sem qualquer proteção, o cinzento das minas de carvão cobrindo as grandes planícies e provocando doenças pulmonares e o céu azul para o paraíso de Ordos, uma gigantesca cidade completamente desabitada. "Eu me inspirei em Dante porque a visão asiática do inferno é muito diferente daquela do poeta italiano", confessou.
Todo filmado na Mongólia, com uma equipe de apenas quatro pessoas, coproduzido pela ARTE France, Liang trabalhou em condições muito difíceis, e sem autorização. "A maior dificuldade que tive foi filmar no interior das minas, porque os proprietários não queriam nos deixar entrar. Nós filmamos escondidos", revelou. "Em algumas ocasiões queríamos gravar tomadas muito precisas. Tive que escalar montanhas sem ser visto para conseguir o que queria, com a câmera quase escondida. Por vezes, precisei trabalhar muito rapidamente", reconheceu.
"Os proprietários das minas estão conscientes de que estão destruindo o país e, portanto, não nos dão a permissão para entrar", disse o diretor, cujo documentário deve ser sujeito do chamado "controle" ou censura das autoridades chinesas. "Eu não acredito que vão me impedir de voltar, a China não é o Irã. Não chega a estes nível, trata-se de uma obra de arte", ressaltou o diretor.
"O que eu queria era denunciar uma situação global, porque o mesmo ocorre nos Estados Unidos, ou no Canadá. A Mongólia é apenas um exemplo entre tantos. Porque o problema é da Humanidade, estamos destruindo nosso meio ambiente", afirma o cineasta, autor, entre outros, do premiado "Crime and Punishment" no Festival dos Três Continentes (2007) e "Petition", exibido no Festival de Cannes (França) em 2009.
"Claro que eu gostaria de ganhar um prêmio, mas há muitas obras belas e o nível é muito elevado. Não tenho expectativas particulares", confessou o cineasta.