A comida é protagonista nas obras apresentadas nas galerias. Para Marcello Dantas, há várias reflexões contidas na maneira como os artistas trabalham com a matéria-prima e nesse universo cabe pensar desde questões políticas e sociais até problemas ambientais que hoje assombram a humanidade. Ele fala em gourmetização da arte, mas como uma tendência que se estende a várias esferas da relação entre os homens e sua alimentação. ;Acho que é a gourmetização do mundo. Também existe um processo de condicionar a nossa relação com o alimento. E tem uma coisa mais política, que transcende barreiras linguísticas e aproxima barreiras culturais;, explica.
Algumas obras expostas são registros de performances, fotografias e vídeos nos quais os artistas utilizam alimentos. Nestes, a perenidade se dá pelo registro. Mas é a efemeridade de um material facilmente deteriorável que interessa ao curador, por isso, boa parte das obras foi idealizada e construída unicamente para a exposição. É o caso do norte-americano Philip Ross, um misto de artista, filósofo e cientista que se dedica ao uso de materiais sustentáveis na construção de obras de arte.
Para a exposição, ele construiu um poço com tijolos fabricados com cogumelos e os visitantes serão recebidos com chá. A multiplicidade de materiais é o que interessa ao artista: os tijolos podem ser usados na construção de uma casa sustentável, mas também para plantar os cogumelos ou para fazer chá. Na mesma linha, o mexicano Damián Ortega utiliza tortillas para fazer esculturas frágeis e delicadas.
Como são as conexões entre arte e comida?
É a antítese fundamental da arte. Todo o artista quer dar longevidade às coisas e, de repente, ele se inspira numa coisa que é absolutamente efêmera. Ao mesmo tempo, as questões políticas que a comida apresenta hoje no mundo são as grandes questões do mundo, desde questões ambientais a questões de identidade cultural, desde questões de comércio até opções por territorialização. A comida é um denominador comum fascinante, ela articula com os problemas do mundo como poucas coisas e, dentro da arte, ela desarticula o mundo e o mercado. Essa arte que cada vez mais é feita em função de um mercado, quando ela é feita com comida é essencialmente desconectada disso porque não tem como ser comercializada. O artista volta a fazer arte apenas pelo desejo de fazer arte. Quando o artista está trabalhando com comida, ele volta a ser livre.
É a gourmetização da arte?
Acho que é a gourmetização do mundo. Também existe um processo de condicionar a nossa relação com o alimento. Tem uma coisa de gourmetização e uma coisa mais política, de pensar onde estamos neste lugar no mundo que tem um protagonismo tão important. Por isso a exposição tem que ser relacional, porque não é uma questão de nenhum país. A exposição da comida de um país seria uma exposição muito chata, mas uma exposição de cross culture é muito interessante. E as coisas começam a fazer um outro sentido.
Pode falar um pouco sobre as obras da exposição e como elas articulam seu pensamento curatorial?
Juntei eles todos a partir da comida. Sigalit Landau, de Jerusalém, faz um vídeo super lindo sobre uma comida compartilhada na rua por palestinos e judeus, que comem do mesmo prato. É uma ideia extremamente política, que coloca a comida como denominador comum de uma relação que em todas as outras instâncias é puro conflito, mas na hora que eles chegam no prato eles concordam que na fé é tanto palestino quanto judeu. Ayrson Heráclito faz a comida dos orixás, que é um ato cultural tão forte no Brasil. Phill Ross inventou uma espécie de tijolo feito de cogumelos, que é muito mais leve que um tijolo, flutua na água e você pode construir uma casa. Se você raspar, faz chá e, se germinar, vira cogumelo. Neka e Jorge Mena Barreto e Fernando Limberger estão fazendo o banquete do pré-Brasil, que é um banquete feito de tudo que é autóctone no brasil, aquilo que nasce no Brasil e nunca foi plantado, trazido de fora para cá. E Rivane Neuenschwander tem essa coisa de transformar tudo em arte. Ela faz uma série daquilo que ela cria na cozinha. Essa obra conversa com Brasília: ela pega a cebola e transforma em um Athos Bulcão, em formas modernistas que às vezes lembra um Bruno Giorgi, uma coisa de Niemeyer, lembra um pouco a arquitetura modernista feita de cebola, aipo, de pedacinhos de macarrão. Ela vai criando esse equilíbrio com essas coisinhas super diminutas que transforma em arte. Tem uma liberdade muito grande na obra dela.
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