A própria escritora teve que enfrentar aiatolás para conseguir publicar o livro, censurado por duas vezes no país. A primeira autorização ocorreu em 2003, dada pelo então presidente Mohammad Khatami. ;Meu editor concordou em distribuí-lo da forma mais ampla e rápida possível;, contou. Algumas reimpressões foram bloqueadas por pendências decorrentes de alterações no enredo da história. ;Em 2005, o livro tinha sido publicado 14 vezes, mas quando o presidente (Mahmoud) Ahmadinejad foi eleito, o livro foi mais uma vez banido;, lamenta. Saniee recorreu da decisão e saiu vitoriosa, com a ajuda de Shirin Ebadi, advogada e ativista dos direitos humanos que recebeu o Nobel da Paz em 2003. Hoje, O livro do destino se tornou o maior best-seller da história do Irã, publicado em aproximadamente 25 países. Outros romances da autora ainda aguardam aprovação da censura iraniana.
As transformações que a revolução islâmica trouxe ao Irã também são o pano de fundo para o primeiro romance da escritora iraniana Dina Nayeri, no livro Uma colher de terra e mar. A narrativa apresenta uma menina de 11 anos, Saba, que é separada da irmã gêmea Mahtab e da mãe no aeroporto de Teerã, em uma tentativa frustrada de fuga do país por conta da onda de violência. Para o pai, as duas estão mortas, mas, certa de que foi deixada para trás, Saba acredita que elas fugiram para os Estados Unidos. A jovem fica obcecada pela cultura norte-americana, na esperança de um dia se mudar para lá e reencontrá-las. Enquanto o país luta contra as tradições ocidentais, Saba se torna uma contadora de histórias, todas protagonizadas pela irmã gêmea e sua vida de glória do outro lado do planeta. O livro discute o significado de se tornar mulher em meio a casamentos forçados, violências e injustiças contra as mulheres em nome da religião.
Vida real
Há outras obras que abordam casos verídicos. Quando publicou Infiel e nômade, a escritora, ativista, feminista e ateísta Ayaan Hirsi Ali já despertou ira ao se declarar ;infiel; à religião islâmica. Com Herege ; Por que o islã precisa de uma reforma imediata, a autora somali é a própria personagem colocada no centro de uma discussão de temas sensíveis. Ela mistura relatos de experiências pessoais com a defesa de uma profunda reforma na doutrina da religião descrita por ela como ;violenta por essência;. Considerada uma das principais vozes críticas ao islamismo, a escritora, que já foi exilada na Holanda e hoje vive nos Estados Unidos, acredita que o ativismo das mulheres é o diferencial hoje, embora o papel delas ainda não tenha mudado muito no mundo muçulmano. O texto, concluído logo após o ataque ao jornal francês Charlie Hebdo ; que deixou 12 mortos em janeiro deste ano ; é um choque de realidade, que faz uma abordagem crítica para que os muçulmanos abandonem dogmas que os prendem ao século VII.
Sentada em frente a um computador em Paris, uma jornalista usou um nome falso, Melodie, para manter contato com Abu Bilel, um combatente francês que é próximo do autoproclamado califa do Estado Islâmico, Abubaker al-Bagdhadi. Em uma narrativa densa e detalhista no livro Na pele de uma jihadista, a escritora Anna Erelle - que também é uma identidade fictícia - se aproxima de um terrorista, pela internet, para descobrir de que forma eles recrutam jovens na internet para integrar o EI. No flerte on-line com um jihadista acostumado a cortar cabeças e empunhar fuzis, ela consegue detalhar o jogo de sedução usado para conquistar novos combatentes e principalmente mulheres dispostas a deixar o mundo e abraçar a vida ;no paraíso;. Erelle faz um alerta à vulnerabilidade dessas ;noivas jihadistas;, um dos pontos fortes da obra de estreia da francesa.
Direito de estudar
A estudante paquistanesa Malala Yousafzai, que no ano passado ganhou o Prêmio Nobel da Paz, também se destaca no rol de personagens femininos em obras literárias. O livro Malala ; A menina que queria ir para a escola, da escritora brasileira Adriana Carranca, conta os passos da jovem que, aos 15 anos, levou um tiro na cabeça de militantes do Talibã na saída da escola, em 9 de outubro de 2012, no Vale do Swat. Diferentemente de outros títulos publicados em todo o mundo sobre Malala, esta obra tem uma abordagem ainda pouco comum: um livro-reportagem direcionado para crianças. ;É a história de uma criança, uma menina que mudou o mundo usando apenas as suas palavras. Como qualquer grande mudança virá das novas gerações, eu acredito que essa história pode servir-lhes de inspiração;, explica a autora, que já tem outros dois livros sobre experiências em países muçulmanos.
A linguagem é simples e acessível, mas não omite os fatos reais da vida de Malala, segundo Adriana Carranca. ;Dilacerada pelo terrorismo e pela guerra, ela fez sua voz ser ouvida em todo o mundo;. O texto traz aos pequenos e adultos a mensagem poderosa e transformadora da paquistanesa, sobre a defesa dos direitos das crianças a estudar. ;Malala é uma ;gata-borralheira; dos tempos modernos. Ela não queria se casar para ser alguém através do marido, mas ir para a escola e se tornar alguém através do mundo de possibilidades que a escola traz. É uma história infantil dos nossos tempos;.
O livro do destino
Autor: Parinoush Saniee. Tradução: Ludimila Hashimoto. Bertrand Brasil Editora. Páginas: 462. Preço: R$ 49
Na pele de uma jihadista - A história real de uma jornalista recrutada pelo Estado Islâmico
Autor: Anna Erelle. Tradução: Eduardo Brandão e Dorothée de Bruchard. Paralela Editora. Páginas: 208. Preço: R$ 29,90. Disponível em e-book (Preço: R$ 19,90)
Herege - Por que o islã precisa de uma reforma imediata
Autor: Ayaan Hirsi Ali. Tradução: Laura Teixeira Motta e Jussara Pinto Simões. Companhia das Letras Editora. Páginas: 272. Preço: R$ 39,90. Disponível em e-book (Preço: R$ 27,90)
Malala - A menina que queria ir para a escola
Autor: Adriana Carranca. Companhia das Letrinhas Editora. Página: 96. Preço: R$ 29,90
Uma colher de terra e mar
Tradução: Léa Viveiros De Castro. Rocco Editora. Páginas: 384. Preço: R$ 49,50. Disponível em e-book (Preço: R$ 29,50)
A personagem Massoumeh lutou contra o próprio destino? Ela ganhou ou perdeu?
Circunstâncias e tradições culturais e sociais moldam o tipo de vida e alguns têm de suportar. Mas submeter-se a uma vida tão predestinada depende muito da habilidade, inteligência e aspirações. Massoumeh é apenas um símbolo de uma geração de mulheres iranianas que estavam à frente de toda a injustiça da sociedade. Asseguraram amplas oportunidades educacionais a seus filhos, mesmo que elas mesmas não tivessem. Tanto é que hoje 67% dos estudantes universitários são mulheres. Mesmo assim, o regime percebeu o perigo que isso representa à própria existência e iniciou uma série de limitações e obstáculos para meninas entrarem nas universidades, mas elas formam grupos maiores e desafiam esse sistema. As mulheres estarão na vanguarda de qualquer movimento futuro para a mudança.
A história do livro é baseada em fatos reais? Você conta histórias verídicas no livro?
Quando eu decidi escrever o resultado de minha pesquisa como um romance, eu escolhi um símbolo para cada assunto. Queria mostrar o papel que a religião desempenha em tudo. A mesma abordagem foi levada para estruturar todos os personagens. Sou psicóloga e, como tal, acompanhei muitos desses casos. Desse modo, formei todos os personagens do enredo de modo a garantir que eles refletissem a realidade, o máximo possível.
Amor proibido, desigualdade entre homens e mulheres, a criação dos filhos, revolução, guerra, religião. Qual o maior conflito da personagem?
Massoumeh experimentou toda a transformação cultural, econômica e política que ocorreu repentinamente. Os filhos das iranianas eram aqueles que estavam correndo nas ruas durante a revolução e tornando-se vítimas de vários movimentos políticos subterrâneos. Muitos foram presos, forçados a lutar em uma guerra de oito anos com o Iraque ou fugir do país ilegalmente. Essas mulheres estavam em uma batalha constante para manter e proteger suas famílias e, particularmente, seus filhos. Não hesitariam em sacrificar nada. Viver apenas em benefício de suas famílias simplesmente.