postado em 11/03/2015 08:01
O contínuo interesse pela vida e obra do escritor austríaco Stefan Zweig, mais de 70 anos após sua morte, se manifesta tanto na literatura quanto no cinema. Alguns livros recém-lançados procuram decifrar aspectos da vida pessoal do intelectual que escolheu o Brasil como última morada. Na ficção Os últimos dias de Stefan Zweig, o francês Laurent Seksik recria a passagem do autor pelo país, desde sua chegada a Petrópolis, em 1941, até seu suicídio, depois do carnaval de 1942. Também ajudam a lançar luz sobre a trajetória do escritor, a autobiografia O mundo de ontem, concluída por ele no Brasil, e A rede de amigos de Stefan Zweig, um fac-símile de sua última agenda telefônica.
[SAIBAMAIS]No cinema, a figura de Zweig nunca deixou de inspirar realizadores. A narrativa do escritor, que na década de 1920 chegou a ser o mais traduzido do mundo, se renova continuamente sob as lentes de diretores como Wes Anderson. Com O grande Hotel Budapeste, o cineasta texano explora o universo literário do autor, resgatando o brilho da Europa Central às vésperas da Segunda Guerra Mundial.
Vencedor de quatro Oscar, o longa é uma das mais de 60 adaptações que Zweig ganhou no cinema e na televisão, nas mais diversas línguas. O clássico Carta de uma desconhecida (Max Ophüls, 1948) é uma das quatro versões cinematográficas do conto homônimo e traz Joan Fontaine como a admiradora sem rosto que confessa o amor de uma vida inteira em uma carta. A adaptação mais recente tem Pequim como cenário, no longa-metragem da diretora chinesa Jinglei Xu.
A sueca Ingrid Bergman encarnou protagonistas de dois dos contos mais populares de Zweig em O medo (1954, último trabalho que fez com o então marido Roberto Rossellini) e no telefilme baseado em 24 horas na vida de uma mulher, em 1961. No Brasil, A coleção invisível (Bernard Attal, 2012) levou para a região do cacau, no sul da Bahia, o relato homônimo que originalmente retrata a Alemanha devastada pela crise econômica nos anos 1920.
Para o jornalista Alberto Dines, autor da biografia Morte no paraíso - A tragédia de Stefan Zweig, a chave da afinidade entre a obra do austríaco e o cinema está nos enredos criados pelo escritor. ;Os temas são extraordinariamente originais e fortes. São histórias que podem ser contadas em qualquer parte do mundo, porque são muito intensas e verdadeiras.;
Duas perguntas para Sylvio Back
O que te instigou a levar Zweig para o cinema como personagem?
Os filmes biográficos hoje ; sejam de músicos, escritores ou políticos ; não têm o contraditório. É como se aquelas pessoas fossem santas em sua vida pessoal, em sua trajetoria literária, poética ou musical. São pessoas acima do bem e do mal, e isso é o fim da picada. Eu procurei fugir disso porque isso acaba corroendo moralmente o personagem. Quanto mais você mostrar o caleidoscópio que é a vida, maior fica o personagem. Zweig tem toda essa complexidade. A bissexualidade que nunca foi explicita, mas aparecia em gestos, em atitudes, diluída em alguns personagens de sua obra. E como escritor ele era um homem muito curioso. Frequentava altas rodas, sabia cinco ou seis línguas. Era um homem cosmopolita, conhecia a América Latina e a Europa toda. Um dos maiores intelectuais dos anos 1920 e 1930. Como se diz, Zweig estava à frente de seu tempo. Quando ele se matou, o próprio Thomas Mann criticou o gesto dele como se fosse uma covardia, mas foi um gesto de resistência, de protesto contra o que estava acontecendo.
Na sua opinião, por que a obra de Zweig é tão evocada pelo cinema?
Eu acho que ele sabe armar uma cena literariamente. Ele dá visibilidade ao que escreve, te coloca dentro da psicologia dos personagens. Ele transforma a paisagem em um ente psicológico. Ele permanece porque tem uma prosa límpida, encantatória. Interessa-se muito pelos perdedores, além das figuras históricas. E tem esse lado da modernidade dele como intelectual.
Confira trechos do livro Os últimos dias de Stefan Zweig, de Laurent Seksik:
Editora Gryphus.164 páginas Preço: R$ 34, 90
"Adeus à névoa que envolvia os cumes dos Alpes, aos crepúsculos frios e imóveis que pousavam sobre o Danúbio, ao fausto dos hotéis de Viena, aos passeios ao anoitecer sob as altas castanheiras do jardim Waldstein, ao desfile de belas mulheres em seus vestidos de seda, às aparadas à luz de archotes de homens vestidos de preto, ávidos de sangue e carne de mortos. Petrópolis seria o lugar de todos os recomeços, sítio das origens, semelhante àquele onde o homem do pó nascia e ao pó retornava, ao mundo primitivo, inexplorado e virgem, garantido pela ordem e certezas, jardim de um tempo onde a primavera reina eternamente." (Pág. 7)
"Caminharam ao longo da avenida e pararam diante do suntuoso Museu Imperial. Com a fachada imponente, seu luxo radiante, o palácio de verão do imperador assemelhava-se ao hotel Metropol de Viena. O Metropol havia-se tornado a sede da Gestapo. Sem dúvida alguma, se os alemães chegassem um dia a Petrópolis, ocupariam o prédio com seu quartel-general. Iriam adorar a fachada em estilo rococó, os aposentos faustosos, o brilho dos dourados, dos majestosos candelabros. Eles amavam tudo que reluzia. Ele imaginou as pinturas que representavam o imperador sendo substituídas pelos grandes retratos de Hitler. Os SS utilizando os porões do museu para suas sessões de tortura." (Pág. 36)
"-É verdade que você aprendeu português? - perguntou Koogan.
Stefan assentiu. Ele falava inglês e francês. Proferia seu ciclo de palestras na América do Sul em espanhol. Tinha a esperança um tanto vã de que um dia, tendo falado tantas línguas, seu vocabulário em alemão simplesmente se dissolvesse na mistura de palavras estrangeiras. A língua alemã seria uma língua morta em sua boca. Ela a expeliria em um acesso de tosse. Talvez, então, a vida a retomasse. Mas o alemão era tenaz. As palavras grudavam em sua boca como mel, mesmo que essa língua tivesse se tornado o veneno do universo." (Pág. 65)
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