A princípio, o diretor e crítico de cinema Peter Bogdanovich não estava necessariamente vestido para o sucesso: usava até ternos velhos doados por Jerry Lewis, que lhe dera também um Mustang. Na dúvida se a roupa faz o homem, ele não titubeou e logo se tornou obcecado pelo bem-vestir. Mas, independentemente de tecidos e cortes, o filho de imigrantes sérvios e judeus se revestiu de cultura. Consta que, dos 12 aos 30 anos, teria visto mais de 5,3 mil filmes, além de estudar dramaturgia com ninguém menos do que Stella Adler, pedagoga que bebeu diretamente da fonte, em contato com o russo Constantin Stanislavski.
Nova-iorquino que teve filha apadrinhada, literalmente, por Orson Welles, o diretor ; que conviveu com Alfred Hitchcock e John Ford ; teve o ego inflado, ao ponto de a agente Sue Mengers descrever que ;ele estava além de qualquer comunicação;. Mas, nem só de excentricidades e riqueza se abasteceu o diretor que suscita o culto, até hoje, do clássico setentista que emplacou: A última sessão de cinema (1971).
Em companhia de colegas como William Friedkin, Francis Ford Coppola e Steven Spielberg, Bogdanovich instaurou a Nova Hollywood ; fonte da viabilidade do cinema de princípios independentes, recentemente saudada em mostra no CCBB. Se, no passado, Bogdanovich esmoreceu, ao descobrir que o livro de Larry McMurtry (que deu base para A última sessão de cinema) tinha menos relação com o fim do cinema do que imaginava, a ironia se faz no presente: em entrevista ao Correio, o diretor deixa entrever, aos 74 anos, a descrença da arte que lhe consagrou. Estaria encerrada a era de ouro em que Bogdanovich arriscou nudez ousada de atrizes (A última sessão de cinema) e colocou crianças para fumar (como Lua de papel)?
O senhor foi figura de ponta, nos anos 1970, com aquele grupo que trouxe Jack Nicholson, George Lucas e Steven Spielberg. Daquela época contestadora, o que persiste?
Eu não acredito que os anos 1970 e o espírito da década nos acompanhe, hoje em dia. Aquela época foi realmente interessante. Os estúdios estavam empenhados em descobertas. Não esqueça que, à época, Columbia e Paramount produziram A última sessão de cinema e Lua de papel (dois clássicos de Bogdanovich). Nos dias de hoje, ambos teriam que ser feitos de modo independente. Mesmo uma comédia como Essa pequena é uma parada (1972), com Barbra Streisand, não teria respaldo de um estúdio.
Como o senhor vê o fenômeno Cinquenta tons de cinza?
É curioso esta novidade: temos o primeiro filme pornográfico do mainstream, apesar de ser muito softcore (na linha do sexo explícito amenizado). Ainda assim, não se havia tido referência com aquele conteúdo num filme de tamanho vulto. Ainda que não seja um bom filme, Cinquenta tons tem Dakota Johnson que, de tão boa, quase faz a fita funcionar. Já o rapaz (Jamie Dornan) é praticamente uma rocha em cena. Ainda por cima, temos que notar que é um filme cauteloso e cheio de restrições na abordagem do tema.
[SAIBAMAIS]O senhor reveria uma crítica, no que escreveu até hoje? E quem são os grandes do cinema?
Não. Não teria razão para voltar atrás. Quanto aos meus gostos, defendo o que sempre gostei:; filmes e diretores aos quais fui fiel: Renoir, Hawks, Ford, Buñuel, Hitchcock, Orson Welles, Lubitsch e Buster Keaton. Eles estão todos mortos, mas foi uma excepcional e fundadora experiência. Quando assisto a esses filmes, é como se estivesse na presença deles.
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