Há cinco anos, o escritor paquistanês Mohsin Hamid decidiu fazer o caminho inverso ao de muitos de seus colegas e conterrâneos: retornou à terra natal e se instalou com a família em uma casa no mesmo bairro dos pais em Lahore, a segunda maior cidade do Paquistão. Queria que os filhos tivessem mais contato com os parentes e com a cultura da família. Autor de O fundamentalista relutante e Como ficar podre de rico na Ásia emergente, ambos traduzidos no Brasil, e Discontent and Its Civilizations: Dispatches from Lahore (Desgostosos e suas civilizações: despachos do Lahore), Hamid passou a infância na Califórnia e boa parte da vida adulta entre Londres e Nova York. Voltar a Lahore, cidade localizada na fronteira com a Índia, é um reencontro, mas também uma preocupação em tempos de terrorismos, fundamentalismos e apartheids disfarçados. No entanto, o autor acredita que a literatura tenha uma função nesta guerra de civilizações e seus livros carregam, de certa forma, essa crença. Pelo telefone, de Lahore, Hamid conversou com o Diversão e disse que a literatura pode ser um espelho da sociedade, assim como pode cultivar a empatia pela diferença.
Seus livros costumam mergulhar em questões como a tolerância, o pluralismo e a política no mundo contemporâneo. Como, na sua opinião, esses temas são relevantes para a literatura?
Acho que não há uma maneira, uma receita e sim várias maneiras. Há conexões poderosas. E uma delas é que a literatura pode ser um espelho da sociedade, você pode ler um romance e ver a sociedade de várias maneiras diferentes. Outra coisa que a literatura pode fazer é expandir nosso senso de empatia por alguém ou por uma cultura diferente da nossa. Colocando você na cabeça de um personagem, que é diferente de você, a literatura pode te despertar emocionalmente e te conectar com outros. Acho que essas duas coisas são importantes. São importantes no sentido de te levar a aceitar coisas que você não pode aceitar e também no sentido de se identificar com essas pessoas, como, por exemplo, um jovem palestino que leia um livro de Amós Oz descrevendo a vida de um jovem soldado ou um jovem soldado que leia trabalhos de autores modernos palestinos, do Paquistão ou da Índia. Há muitos trabalhos poderosos nesses lugares que nos permitem entender diferentes contextos.
Em um trecho de Discontent and Its Civilizations: Dispatches from Lahore , você confessa que sente um certo otimismo quando escreve sobre o Paquistão. Por quê?
No livro, digo que quando olho para trás vejo que fui otimista e, talvez, estivesse errado. Tenho sentimentos mistos. Às vezes, eu me sinto otimista, às vezes não. Quando o futuro é incerto, é melhor ser otimista do que pessimista. E a razão para isso é que vem um senso de urgência, um sentimento de que você mesmo pode construir o seu futuro. É uma maneira de pensar que as coisas podem ser melhores e o que você pode fazer para elas serem melhores. Eu tento ser otimista e ter uma postura otimista na minha escrita. Mas dito isso, é claro e óbvio para mim que há problemas seriíssimos no Paquistão. E eu não sei como lidar com eles. Eu realmente me preocupo.
Por que voltar ao Paquistão em uma época tão intempestiva?
Vivo a 10 metros da casa dos meus pais e a casa na qual moro agora é a mesma na qual passei minha infância porque meus avós moravam nela. Acho que isso explica o porquê de eu estar no Paquistão. Meus pais estão aqui, os pais da minha esposa estão aqui, minha irmã faz doutorado em Londres, mas quando terminar vai voltar . Minha mulher tem dois irmãos vivendo no Paquistão. Quando eu me tornei pai, pensei que queria que meus filhos crescessem perto da minha família e da família de minha mulher. Essa foi a razão principal para voltarmos. E claro, quando voltamos passamos por momentos de frustração e de medo de viver aqui. Mas nenhum lugar é perfeito. Nova York e Londres também têm os seus problemas. Como escritor, acho o Paquistão muito rico e tenho mais liberdade aqui do que em Londres e Nova York. Isso pode surpreender porque você vai pensar que há mais liberdade em Londres e Nova York ; e há mesmo ;, mas são cidades muito caras. Quase todas as pessoas que conheço que trabalham nas artes têm outras ocupações, ensinam na universidade, têm outros trabalhos porque é difícil de se manter como escritor. Em Lahore, é bem mais barato. E posso dedicar meus dias a ser escritor. Dito isso, não quer dizer que vamos viver no Paquistão para sempre. Talvez, em dois ou três anos, decidamos ir embora.
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