Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Jovem deficiente encara viagem sozinha pela África e lança livro de fotos

Jovem, que caminha com a ajuda de muletas, criou campanha de financiamento coletivo para publicar livro com os relatos das visitas a países do leste africano

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Não são muitos os jovens que, ao planejar viagens em outros continentes, optam por visitar a África. Mas Jéssica Paula decidiu passar dois meses no continente, sozinha, para conhecer zonas de conflito e contar as histórias que encontrasse em um livro reportagem. Com o intuito de transformar o relato no projeto final do curso de jornalismo, ela pôs o mochilão nas costas e passou dois meses vagando pela Etiópia, Sudão, Sudão do Sul e Uganda. Mas há um detalhe: Jéssica é deficiente física e precisa de muletas para poder andar, apoaida apenas em uma perna.

Ao longo do período de viagens, a goiana de 23 anos passou por diversas dificuldades. Para entrar no Sudão, ela teve de se passar por muçulmana e fingir ser casada com um homem que ela havia conhecido recentemente, pois o país vive uma ditadura que não permite a entrada de estrangeiros. Jéssica conseguiu passar quase 24 horas por lá, antes de ser expulsa por oficiais do governo. Em seguida, ela conheceu a vida no Sudão do Sul, nação recentemente fundada devido a conflitos e a uma guerra civil que pedia separação do Sudão
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Além disso, ela visitou refugiados na Etiópia e conheceu, em Uganda, a ex-enfermeira de Joseph Kony, líder de uma das maiores milícias africanas e um dos 10 criminosos mais procurados do mundo.

Após ter concluído a viagem e ter se graduado em jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB), Jéssica agora pretende publicar de forma independente Estamos Aqui, o livro reportagem que foi fruto dos dois meses de viagem pelo leste africano. A obra conta com 200 páginas e diversas fotografias tiradas pela própria Jéssica. Para alcançar o objetivo, a jovem criou uma página no Catarse, site de financiamento coletivo, para arrecadar R$ 15 mil. A campanha fica no ar até o dia 5 de março.

Três perguntas para Jéssica Paula
Qual foi o maior percalço ao longo da viagem? Houve algum momento que sentiu medo de estar ali?
Chega a ser engraçado, pois não sentia medo, achava que tudo daria certo. Talvez seja por isso que não me veja como uma pessoa corajosa, e sim sem juízo mesmo (risos). Acredito que o corajoso é aquela pessoa que enfrenta os próprios medos, mas não era o meu caso. O tempo que fiquei no Sudão foi bem difícil. Sob um calor de 52 graus eu não conseguia fazer nada direito, era difícil até raciocinar. Além disso, fui expulsa do país e me veio a sensação de que tudo ia desandar. Não conseguia conversar com quase ninguém, todos só falavam árabe. Para fechar com chave de ouro, ainda peguei malária. Todos lá estão acostumados com isso, então, apesar do desespero, as pessoas me tranquilizaram muito.

Quais aprendizados dessa experiência foram mais marcantes para você? Acredita que mudou a sua visão de mundo depois de encontrar realidades tão diferentes da sua?
O que mais me mudou, com toda certeza, foi o respeito por outras culturas e religiões. Penso que somos prepotentes e sempre achamos que nossa crença, nossa maneira de viver é a melhor. Hoje não tenho coragem alguma de criticar ou insultar um muçulmano, porque entendo os preceitos deles. Terroristas são uma exceção e uma minoria. Não tenho coragem de criticar a família que pediu para que o filho de 7 anos se tornasse soldado, pois percebi que, de fato, não havia outra opção. Acredito que se colocar no lugar do outro é um passo fundamental para um bom contador de histórias. Aprendi a ouvir, inclusive quando as pessoas não dizem nada, afinal, o olhar deles traduzem o inexplicável. É isso que eu tento passar no livro. Há uma história muito boa, de uma conversa entre eu e um dos refugiados, em que ele me pergunta se eu tenho família, já que familia é algo distante pra ele. Mas essa história está lá no final do livro, então só que ler vai saber (risos). Choro toda vez que conto ela.

Como acredita que seja possíveis tornar visíveis e dar voz a essas pessoas que, perante a maior parte do mundo, sequer ;existem;?
Eu acredito que é justamente levando esse olhar, essa percepção que acredito que vou mostrar para o mundo que eles estão lá. Uma vez, estava desestimulada no Sudão, pensando se realmente valeria a pena tudo isso, chegou uma mulher que me disse o seguinte: se eu não puder mudar o mundo, eu posso contar sobre isso. Quando você enxerga a dimensão do problema, você desanima. Mas você pode ao menos contar sobre isso.
Com informações de Max Valarezo e Mateus Vidigal