Narrativas sem diálogo são a especialidade do quadrinista paulistano Gustavo Duarte. Em Có! & Birds, o artista abriu mão das palavras e criou personagens carismáticos que vivem situações absurdas ; de um sítio invadido por alienígenas a dois pássaros que se encontram com a morte, em pessoa.
Enaltecidas por fãs de HQ do Brasil e do exterior, as duas histórias foram justapostas e chegam às lojas em edição conjunta da Quadrinhos na Cia, selo da Companhia das Letras para HQs. ;Meu principal objetivo é que as tramas sejam entendidas em qualquer lugar do mundo. Não ter falas é um desafio de expressão, principalmente nos dias de hoje, de entretenimento de rápido consumo;, conta o desenhista.
[SAIBAMAIS]A estratégia deu certo. Veterano nos quadrinhos, Duarte é reconhecido pelas obras publicadas no Brasil, mas também tem apreço do público internacional. Antes de serem lançadas em conjunto, Có! & Birds chegaram às mãos do roteirista Andy Lanning, da Marvel Comics, gigante do setor. Encantado com os traços de Duarte, o americano o convidou a elaborar a arte de um especial dos Guardiões da galáxia, em edição comemorativa da empresa que edita ícones como o Homem-Aranha e os X-Men.
Leia a entrevista com o quadrinista Gustavo Duarte:
Có! & Birds foram vencedoras do HQ Mix, mais importante premiação de quadrinhos brasileira. Qual a principal virtude das duas HQs para se tornarem tão bem recebidas por público e crítica?
Elas foram feitas com muito carinho, é o que as duas têm em comum. A Có! é um pouco diferente porque foi a primeira de todas, e poderia ter sido a única. Foi a minha primeira tentativa nos quadrinhos, e então veio Birds dois anos depois (com Taxi no meio das duas). São histórias diferentes entre si, mas que têm o mesmo numero de páginas, 32, e não tem nenhuma fala. Não conseguiria achar um ponto em comum entre elas, se não esses. As duas foram planejadas das duas maneiras, nenhuma delas foi andando e acontecendo, elas foram criadas à base de planejamento e roteiro. A decisão por 32 páginas surgiu na Có e foi seguida em Taxi e em Birds. E também porque adoro esportes, e 32 é o número do Magic Johnson. Achei que era um número legal para contar uma história.
O não uso de falas torna os seus desenhos universais. Acha que esse é o principal motor para que suas obras sejam tão bem aceitas aqui e no exterior?
Sem dúvida, ajudou. Tento me enganar dizendo que o que a falta de falas tornaram-nas interessantes, mas que elas funcionam porque são boas mesmo (risos). Não ter falas ajudam-nas a terem força, principalmente nos dias de hoje, de entretenimento de rápido consumo. Poderia ter impresso 1000 exemplares em português e 1000 em inglês, mas a ideia sempre foi fazer quadrinhos sem texto. Muita gente poderia entendê-las em inglês, mas não seria a língua nativa na Argentina, no Canadá e na França, onde também foram vendidas. Da maneira como são feitas, são entendidas em qualquer lugar. História sem fala muita gente faz, o que eu tento é fazê-las bem. Se forem analisá-las, verão que as histórias são universais, com exceção do Chico Bento - Pavor espaciar, personagem do Maurício de Souza que reinterpretei e que contra a vida de dois meninos caipiras. Se bem que poderiam ser de alguma fazenda dos Estados Unidos ou de cidades rurais da França; Mas óbvio, há coisas tipicamente brasileiras. Elas têm referencias de Bauru, em São Paulo, mas meu principal objetivo é que sejam entendidas em qualquer lugar do mundo.
Frequentemente, você é apontado como um dos maiores nomes dos quadrinhos nacionais. Acredita que é possível falar em um mercado de quadrinhos brasileiro?
Ainda não é possível. O mercado está sendo criado. Algumas pessoas ficam bravas quando digo isso, mas o mercado brasileiro ainda é muito incipiente. Hoje, é melhor do que há dez anos, mas é pior que há 20 anos, quando a gente tinha revistas como a Chiclete com banana. Nas décadas de 1980 e 1990, era possível fazer uma revista mensal e viver dela. Atualmente, não sei se dá para viver de quadrinhos 12 meses por ano. Tirando o Maurício de Souza e sua equipe, não conheço nenhuma pessoa que viva só de quadrinhos no Brasil. Os grandes quadrinistas brasileiros podem fazer coisas aqui, mas boa parte do dinheiro deles vêm de fora. Para sobreviver, precisam atuar em outras frentes, como ilustração ou jornal. Aliás, eu trabalhei mais de 10 anos para um jornal, mas essa mídia acabou virando um ovo para desenhistas e quadrinistas, é cada vez menor e impossível. Alguns dão aula, outros trabalham com publicidade. Com toda certeza, não há quem viva só de quadrinhos no Brasil. O mercado esta aparecendo, aumentando, crescendo, a realização de feiras gigantescas como a Comic Con Experience é um exemplo disso. Ela mostra que o mercado pode existir, mas é preciso gente capacitada, não adianta lançar um quadrinho ;na rua; e esperar o dinheiro aparecer.
O que deveria ser feito para melhorar esse quadro? Uma associação de quadrinistas, por exemplo?
Associação nunca deu certo em lugar nenhum e para nada. Isso é um pouco errado. O mesmo vale para o Catarse e outros sites de financiamento. Pontualmente, essas coisas são bacanas. Você consegue lançar livros que contam, por exemplo, sobre os anos de carreira de um grande artista. Mas tem muita gente usando essas plataformas todos os anos, e isso vai desgastando-a. O quadrinho tem que ser produzido para um público maior que os próprios quadrinistas. Geralmente quem compra também faz, mas quero que médicos, advogados, jornaleiros, o cara da quitanda, e um público diferente compre os meus quadrinhos. Enquanto nós, quadrinistas, falarmos só para a gente, não é mercado, é quase um protecionismo. Precisamos que exista um mercado, porque quem faz cinema não lança filmes só para cineastas, e sim para o público. Porque isso não acontece com os quadrinhos? O mercado precisa ser criado e visto como uma arte pop, não como a última bolacha do pacote. Existe todo tipo de quadrinho e há espaço para todos. Não concordo quando escuto algúem dizer: ;Eu adoro quadrinho;. Como se fosse algo uniforme. É preciso saber qual tipo de quadrinho você gosta, como no cinema. Não adianta todo mundo se unir e pensar em fazer uma associação, por exemplo. Precisamos é que outras pessoas passem a comprar quadrinhos. Muita gente que deixou de ler quando era moleque, e poderiam voltar a ter esse hábito, porque não é um arte exclusiva para o público infantil.
Quando adaptados ao cinema, histórias em quadrinhos, sobretudo as de superheróis, são recordes de bilheteria. Porque isso não acontece com os exemplares impressos?
Não entendo como os quadrinhos adaptados para cinema fazem tanto sucesso e tenha sustentado Hollywood nos últimos cinco, 10 anos, e ao mesmo tempo, quando se chega em uma livraria no Brasil, o setor de quadrinhos fica sempre na última gôndola ou em um porão. Sei que Có! & Birds não vende o mesmo que 50 tons de cinza, mas só de estarem em locais próximos, nas prateleiras, aguçaria a curiosidade do público. Enquanto eles ficarem escondidos, será eternamente ;coisa de gueto;. Quem é fã de quadrinhos nem precisa de livraria, os adquire direto internet. Mas para sair desse nicho underground, eles precisam ter um espaço melhor em livrarias, não ficarem restritos a um canto escuro. Os quadrinhos podem, sim, virar algo popular. Em média, um bom quadrinho vende tão bem quanto um livro, embora os públicos sejam bem distintos. É preciso tratar essas questões. O cinema está ganhando muita grana em cima dos quadrinhos, seria interessante se a lógica favorece também o outro lado.
Ainda há a preferência por produtos importados?
Não sei se é pela falta de costume, mas se chega um quadrinho de Superhomem, o dono da livraria põe na gôndola, porque tem um nome, não foi criado ontem, então é mais fácil vender. Se a pessoa pega um livro vermelho com uma galinha na frente, no caso, o meu livro, ele ficaria jogado no fundo da loja. Se o público pudesse ter contato e ler do que se trata, quem sabe poderia se interessar e os quadrinhos atingiriam um público diverso, não só de superheróis. Quem gosta de superherói pode gostar de ficção ciência e humor, só basta os livreiros saberem o que têm em suas mãos.
É possível sobreviver de quadrinhos hoje no país?
Comecei a fazer quadrinhos trabalhando em um jornal, fazendo charges diárias para o Lance. Não posso dizer que ganhava bem, mas pagava meu aluguel. Fazia trabalhos como free lancer e publicava tirinhas em outros jornais. Trabalhos com opinião, no Brasil, são cada vez menores. Opinar é quase pecado, por isso a quantidade de quadrinistas em jornais diminuiu muito. Enquanto o mundo inteiro enxerga que opinião é o que difere um jornal do outro, o Brasil faz exatamente o contrário.
Como se deu o contato com a Marvel e o convite para participar da edição especial de Guardiões da galáxia?
Foi bem inesperado e natural. Eu sempre participo de convenções da área fora do Brasil e já conversei com pessoas de lá, mas nunca tinha imaginado serchamado para algo. Andy Lanning, um dos criadores da formação da Guardiões da Galáxia, que saiu no cinema no ano passado, comprou a Co, a Birds e a Monstros, que saíram juntas pela Dark House Comics. Ele gostou muito. Me mandou e-mail se apresentando e dizendo que queria trabalhar comigo, e seria uma história menor até pintar o gibi, uma edição especial de 120 páginas da Marvel. Em dezembro me chamaram novamente para fazer um gibi antibulliyng dos Avengers, e em janeiro sai uma nova historia em parceira com eles, mas ainda não posso dizer qual;
Sobre Chico Bento - Pavor espaciar, como foi a tarefa de trazer a sua leitura à um personagem de Maurício de Souza?
Na época nós nos encontramos bastante e nos vimos com frequência. Muita gente joga pedra no Maurício, mas ele criou um mercado de quadrinhos em um lugar que não havia mercado. Não há imperialismo, ele não impede ninguém de criar. O que impede de, no Brasil, aparecer outro Maurício de Souza, é alguém ser como ele. Ele foi lá e fez. Em nosso país há um infeliz costume de não gostar de quem faz sucesso. De pensar que o que é bem vendido não presta; Uma pena. Maurício de Souza não impede que ninguém apareça. Ele tem uma cabeça boa, sempre que nos encontramos temos ótimos papos. Ele está muito mais ligado do que a gente imagina em caras do passado e do futuro. Eu lia muitoas histórs dele quando moleque, adorava o Chico Bento, e justamente por isso fui o único que pode escolher qual personagem iria redesenhar quando fiz o gibi.
A matéria completa está disponível aqui, para assinantes. Para assinar, clique aqui.