Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Livros póstumos mantêm mercado literário movimentado

O primeiro romance de Jack Kerouac é publicado apenas agora no Brasil, 45 anos depois de sua morte

A morte nem sempre é o ponto final. A lista é extensa: Jack Kerouac, José Saramago, Machado de Assis, Franz Kafka, Roberto Bolaño e tantos outros escritores para quem o fim da existência não significou o término da obra. Os livros póstumos fazem a alegria dos aficionados e das editoras, que encontram aí a oportunidade de manter vivos os autores favoritos e o mercado que advém deles.

O ano de 2014 trouxe uma boa notícia para os fãs da geração beat que não esperavam mais nada de um dos principais autores do movimento. O mar é meu irmão ; primeiro livro de Jack Kerouac, inédito no Brasil até agora ; foi lançado pela LP em uma edição que traz ainda outros textos e fotos da juventude e da infância do escritor morto de cirrose hepática em 1969.

Considerado por muito tempo perdido, O mar é meu irmão foi publicado nos Estados Unidos em 2011, 42 anos depois da morte do autor. O primeiro romance de Kerouac foi escrito em 1942, quando ele se alistou na Marinha Mercante dos Estados Unidos (EUA). Trabalhando na cozinha, ele registrou as impressões sobre a vida no mar em um diário. Kerouac passou oitos dias no navio. Só quase 60 anos depois, essas lembranças vieram a público com a história do personagem Wesley Martin, que ;amava o mar com um amor estranho e solitário...;.

Sem ter recebido edições durante a vida do autor, o manuscrito original, de 158 páginas, já apresentava traços que marcariam a obra de Kerouac, como o gosto pelas viagens e pela liberdade. Há outros casos famosos, no entanto, de obras renegadas pelos autores que vieram a público depois de suas mortes.

O livro Claraboia, de José Saramago, é um exemplo. Rejeitado por uma editora na juventude, o romance nunca recebeu o aval do autor para que fosse publicado. Durante a vida, o português não quis saber de ver o livro circulando. Saramago deixou para que decidissem se queriam publicar ou não o livro depois que morresse.

;A importância da divulgação de uma obra dessas tem valor quase inestimável para os leitores, especialmente seus adeptos;, acredita o professor de literatura da Universidade de São Paulo (USP), Jean-Pierre Chauvin. Para ele, o crítico é, acima de tudo, um leitor e um ;releitor; para quem a publicação dessas obras também pode significar muito. Embora Claraboia, por exemplo, tenha sido finalizado quando Saramago beirava os 30 anos, o professor ; estudioso da obra do autor português ; afirma que notam-se ali alguns dos elementos que caracterizam o trabalho do escritor. ;Claraboia auxilia consideravelmente a (re)interpretar o que ele compôs e publicou em vida;, comenta.

Jean-Pierre Chauvin lembra também da publicação em livro das crônicas e cartas escritas por Machado de Assis. ;Ele não esperava vê-las publicadas (muitas delas, por sinal, assinadas sob pseudônimo, e resultantes de mais de 40 anos de produção). Além disso, ele teria solicitado a seus amigos que não publicassem sua copiosa correspondência.;

Outro caso notório é o de Franz Kafka. O autor de Metamorfose deixou ao amigo Max Brod a incumbência de queimar todos os escritos que havia produzido. Se Brod não ignorasse o pedido de Kafka, talvez o nome e a obra do autor tcheco ficassem para sempre esquecidos. ;Talvez não se trate de discutir o peso (inegável) das vontades do escritor, mas de considerar que a publicação de seu legado segue uma série de contingências;, pensa Chauvin.

A questão econômica é um aspecto bastante lembrado quando a discussão sobre obras póstumas entra em cena. Tanto para as famílias responsáveis pela obra quanto para as editoras, esses livros podem ser uma fonte considerável de renda. ;Imagino que, da ótica de um editor de títulos cujo êxito seja esperado, o desejo do autor (quando vivo) nem sempre vence a lógica do mercado de livros;, considera o professor.

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