Pela rejeição e negação a estilos estabelecidos, além de um forte avanço no experimentalismo em cinema, um grupo de artistas, em 1977, foi agrupado pela expressão ;no wave;. Estariam de fora de formatação e de esquadro, pelo que definiu J. Hoberman, crítico influente que atuou no influente jornal novai-orquino The Village Voice. Com recente reconhecimento nos Estados Unidos e na Europa, esse bloco de diretores invadiu, por meio da exibição de suas obras (em mostra do CCBB), a mesma Brasília que, nos anos 1970 e 1980, época áurea da corrente ;no wave;, viu aflorar um cenário de efervescência similar, mas no rock.
[SAIBAMAIS]Mais do que propagar essa corrente alternativa, a curadora da mostra Pequenas histórias da vanguarda: Downtown New York, Kyle Stephan, veio à capital interessada em aprender. Mas, entre os recortes para integrar as projeções de filmes, ela optou pela abordagem histórica. A relevância à cena gay, por exemplo, decorreu do excesso de mortes de artistas e da consequente descontinuidade na divulgação de filmes.
A exibição do longa O quarteto de Long Island (1978) é uma das raras películas da mostra ; até porque houve morte prematura do diretor sueco Anders Grafstrom. O filme é interpretado por muitos precursores de movimentos LGBT que morreram pelo descontrole da Aids. Na tela, performers do meio cult, entre os quais Lance Loud, um dos pioneiros em assumir publicamente a homossexualidade.
Mulheres subvalorizadas ou com forte relevância midiática, entre as quais Deborah Harry (da banda Blondie) e Lydia Lunch (que teve colaborações em obras de Nick Cave e Sonic Youth) se misturam a expoentes, como Jean Michel Basquiat e Arto Lindsay, nesse obscuro movimento de onde despontaram talentos como o de Jim Jarmusch.
Quatro perguntas para Kyle Stephan
Há um curta de Nick Zedd chamado Go to hell, que mostra as perambulações de viciados por uma Manhattan sombria e cheia de entulhos. Isso é arte?
Nova York era, de fato, isso que está retratado naquele filme dos anos 1980: havia uma forte recessão, vinda dos anos 1970 com inúmeras falências. Reinava um cenário de pobreza, recheado de párias, de dependentes químicos. Era isso que cercava até as moradias dos cineastas da época. As pessoas se sentiam abandonadas, e Nick Zedd, entre outros cineastas, aplicou um tratamento de choque nas artes. Isso elevou a crítica das pessoas. Com implicações niilistas, a alienação era sentida ; havia frustração, com o hiato de as pessoas serem escutadas. A América estava repleta de zumbis. Existia um silêncio do governo, Ronald Reagan se recusava a falar de Aids. Nisso, a no wave servia para tornar as pessoas menos submissas e mais reflexivas.
Há facilidades nas difusões de cineastas autônomos, com o avanço da internet?
Conheço artistas que solidificaram a carreira pela internet. As estruturas montadas para a produção, a cena e os objetivos dos exibidores estão inegavelmente e ostensivamente comerciais. O cenário está bem adulterado. Um dado relevante, hoje em dia, está na impossibilidade de artistas alternativos viverem em grandes cidades cujos custos estão altíssimos. Eles não conseguem mais viver nos perímetros favorecidos. É uma questão econômica que mudou muito. O marketing só é forte quando a pessoa passa a ser conhecida, passada por uma aprovação na internet.
Ainda há espaço para o que seja genuinamente independente na produção audiovisual?
A tecnologia ampliou o acesso à criação e em explorar novos públicos, na mesma medida em que o movimento de cinema no wave se propôs. Muita coisa mudou: naquele período, o centro de trocas entre cineastas, músicos e pintores em Nova York estava no âmbito de bares e de clubes noturnos. Prevalecia um ambiente de colaboração. Para bem e para mal, hoje em dia, o público parece privatizado. Antes, as trocas se davam com a interlocução e a interação em plano físico. Usando a plataforma do super 8 (a mais barata, à época), os cineastas tiveram que transpor material para o vídeo, além de criarem diferentes ambientes de projeção. Hoje em dia, tudo é infinitamente mais acessível. Agora, se o material serve à interação entre grupos de espectadores, tenho lá minhas dúvidas.
The bogus man, produzido em 1980 ; portanto, antes do atentado contra Ronald Reagan ;, já trazia dados de conspiração. É uma obsessão americana, não?
Naquela época, a imagem do governo estava vinculada à corrupção. Trata-se de um período pós- Vietnã e pós-caso Wattergate. Pairava, na sociedade americana, um sofrimento e um pendor para renegar dados e ações oficiais. O país estava se perdendo para a corrente direitista. Por isso, nessa época, existia um conservadorismo acirrado, em se tratando de cultura. Daí é que veio a necessidade de extravasar, por meio das artes.
Pequenas histórias da vanguarda: Downtown New York
Centro Cultural Banco do Brasil (SCES, Tr. 02, 3108-7600). Até 29 de dezembro, com sessões de quarta a segunda, em horários variados. Confira programação no roteiro. Ingressos: R$ 4 e R$ 2 (meia). Não recomendado para menores de 18 anos